3.3.03



Doze anos amanhã

Quando publicamos a série 4 x 4, em dezembro passado, com ensaios de quatro veteranos do Info etc. (B. Piropo, Cat, Cristina De Luca e Ricardo Rangel) descrevendo suas trajetórias tecnológicas, alguns leitores escreveram reclamando a minha presença. Mas, como respondi na ocasião, minha coluna tem sido, ao longo dos anos, uma espécie de diário digital: aqui escrevo sobre o que me acontece com programas e computadores, e descrevo a minha experiência com os mais diversos tipos de equipamento — do banho involuntário de Veja Multiuso que dei num teclado ainda no pré-Cambriano à minha satisfação com o Sony Clié (atualmente em banho-maria, já que não estou conseguindo fazer com que o bichinho conecte-se com o Windows XP de jeito nenhum). De modo que me pareceu redundante falar sobre tudo isso novamente.

Amanhã, porém, o Info etc. faz 12 anos, e achei que valia gastar um pouco desta segunda de carnaval relembrando o passado.

Houve um tempo, por incrível que isso possa nos parecer hoje, em que não usávamos internet. É difícil descrever o que era fazer um caderno de informática sem internet, ainda por cima num país que vivia em plena reserva de mercado. Escrevíamos sobre miragens, sonhos de consumo que chegavam aqui (quando chegavam) debaixo dos panos, nas malas de contrabandistas bem situados com a Receita Federal.

Por causa dessa reserva, os jornalistas brasileiros eram solenemente ignorados pela vasta maioria dos desenvolvedores de hardware e software: de que adiantava mandar material para um país onde ninguém podia comprar nada? Nossos pedidos de entrevista eram ignorados, ninguém mandava as fotos que solicitávamos (pelo correio!), ninguém nos dizia nada a respeito do que estava no forno.

A salvação da lavoura eram as feiras de informática, sobretudo a Comdex Fall, em Las Vegas, que reunia todo mundo da área. Lá, cada produto lançado, cada tendência anunciada e cada mudança de diretoria de empresa correspondiam a uma pastinha ou um folder com informações que não obteríamos em outro lugar — e, freqüentemente, fotos.

Meu Deus, como gostávamos de material com fotos! Uma boa temporada nos rendia o suficiente para ilustrar uma quantidade imensa de edições.

Havia tantos press releases e press kits em Las Vegas que a sala de imprensa da Comdex era dividida em duas partes: uma exclusivamente para as pilhas de pastas e folders, e a outra com mesas, cadeiras, computadores e café para que trabalhássemos. Além de poltronas e sofás, já que parte do trabalho era juntar todos os kits — e mais o que não chegava à sala de imprensa e nos era entregue na exposição — e separar o joio do trigo.

Esta rotina não era exclusividade nossa; os jornalistas de outros veículos, inclusive de alguns jornais americanos menores, gastavam boa parte do tempo abrindo pastas, olhando títulos e aberturas de releases, conferindo a existência ou não de fotos, e jogando fora o que não prestava. A qualquer hora que se entrasse na sala de imprensa, lá estavam dezenas de jornalistas, cercados, cada qual, das suas pastas e caixotes — um para o lixo, outro para o material que interessava. O desperdício de papel sempre me impressionou muito. (Os repórteres da grande imprensa americana não passavam por isso: a verba dos seus veículos permitia que juntassem rigorosamente tudo e despachassem para casa. Gastavam centenas de dólares com isso.)

Faltavam caixotes para todos. Uma vez, a IBM conquistou muitos corações e mentes com um gesto da maior simplicidade: a oferta de grandes caixas de papelão com alças de plástico, fáceis de fechar e de levar ao correio. De outra feita, a HP fez a alegria dos jornalistas americanos e canadenses despachando gratuitamente o material de todos a partir da própria sala de imprensa. Quer dizer: ninguém precisava mais carregar as suas toneladas de papel até o posto dos correios! Os jornalistas do resto do mundo quase morreram de inveja, e maldiziam os colegas afortunados enquanto arrastavam caixas pelos corredores.

Já aqui, separávamos as pastas mais uma vez. Trazíamos uma fração do que nos caía em mãos durante a feira; mas na redação éramos confrontados com o tamanho imutável do armário. Começava aí a angústia de decidir que parte do material antigo ficava ou não. E começavam aí meses de estresse para a Luiza, que tinha a ingrata tarefa de manter aquela papelada dentro dos limites do administrável.

Pensando bem, durante aqueles anos pré-internet, a Luiza foi uma espécie de Google do Info etc., catalogando e buscando informações na nossa “base de dados”. Complicada ainda pelo fato de que cartas, artigos e releases de produtos brasileiros chegavam em papel. Algumas cartas vinham escritas à mão: em geral, reclamações de usuários com problemas com impressoras, ou que nos pediam orientação em relação à compra de impressoras, então ainda um equipamento caro.

E aí chegou a internet.

Acho que hoje nem a Luiza se lembra mais de quando foi a última vez em que recebemos uma carta manuscrita...

(O Globo, Info etc., 03.03.03)

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