11.7.10

O futuro do livro, volume 1



Enquanto meio mundo bate cabeça para saber se o futuro do livro está nas versões online ou nos clássicos em papel, os sócios Índio Brasileiro Guerra Neto e Ricardo Almeida juntaram as duas vertentes, mexeram bem, atraíram, em pouco mais de um ano, quase 3.500 autores, e agora contemplam, contentes, o espetáculo do crescimento. Eles são os donos do Clube de Autores, que funciona com um pé em cada tecnologia: os autores sobem suas obras em formato digital, e os leitores as encomendam na forma de livros em papel, com orelha e tudo.

O sistema tem pelo menos duas grandes vantagens em relação aos processos tradicionais de autopublicação. Para início de conversa, o autor não precisa pagar nada para pôr sua obra ao alcance dos leitores; depois, como a impressão é feita sob demanda, exemplar a exemplar, não há encalhe. Em suma: desperdício zero! De quebra, a divulgação também fica mais simples, já que o site do Clube funciona como uma espécie de bem fornida livraria virtual, com cerca de três mil títulos à venda.

Com 90 mil visitantes por mês, o site não pode se queixar de falta de movimento; mas, para agitar ainda mais a freguesia, realiza-se, neste momento, o Primeiro Prêmio Clube de Autores de Literatura Contemporânea, que permite aos visitantes votarem nos seus livros favoritos. O grande vencedor, que será anunciado no final do mês, ganhará cinqüenta exemplares do seu livro e um espaço para lançá-lo em plena Flip, em Paraty.

Como todo mundo que trabalha na indústria editorial, Índio Brasileiro Guerra Neto, sócio-diretor do Clube de Autores, reage com certo ceticismo quando o assunto é o fim do papel. Não foi isso que viu ao longo deste último ano, em que o Clube de Autores saiu do zero para quase 30 mil exemplares vendidos. A marca impressiona sobretudo quando se leva em conta o fato de que o Clube trabalha com autores virtualmente desconhecidos, e sem qualquer forma de publicidade tradicional:

-- Nós usamos apenas a internet, -- diz Índio, que se define não como um editor, mas como um facilitador de edição. – Muito marketing viral, presença em comunidades e mídias sociais.

Entender o que é a internet e usá-la a seu favor é o grande elo de ligação do Clube com seus autores. O tradutor Fábio M. Said, por exemplo, autor de livros de genealogia e de tradução, é um perfeito exemplo do netizen que se sente como um peixe nas águas do Clube de Autores. Há três anos, ele deixou a Bahia para trás e foi viver na Alemanha, numa cidadezinha a poucos quilômetros de Bonn e de Colônia:

-- Moro quase na roça, mas perto de tudo e, sobretudo, com boa qualidade de vida. Como meu trabalho de tradutor é basicamente na internet, não importa onde eu esteja geograficamente.

Tampouco importa onde seus livros estejam; quem quiser lê-los, deve procurá-los online, seja no Clube de Autores ou no lulu, um serviço semelhante, mas com sede nos Estados Unidos. O que não falta são “mapas” para encontrá-los, pois Fábio usa com perfeição todas as ferramentas que a Web 2.0 põe a seu alcance: Twitter, YouTube, SlideShare, Prezi, Flickr, Orkut... Além disso, cada um dos seus livros tem a sua própria página na rede.

-- Atribuo o sucesso das vendas à divulgação que tenho feito continuamente na internet, -- diz ele. -- Não realizei nenhum evento presencial de lançamento. Como eu moro na Alemanha e meu público leitor está no Brasil, toda a estratégia tem que ser mesmo on-line.

Pois deu tão certo essa estratégia que seu livro “Fidus Interpres: a prática da tradução profissional”, está em nono lugar entre os mais vendidos do Clube de Autores. Um bom ponto de partida para descobrir o trabalho de Fábio online é ir até http://fidusinterpres.com.

A médica Lêda Rezende, também baiana, mas geograficamente mais próxima dos seus leitores – mora em São Paulo há 12 anos – é outra que tem absoluta intimidade com a rede. Autora de quatro livros, que vão de ficção a poesia (entre eles o romance “Vitral”, finalista do Primeiro Prêmio Clube de Autores de Literatura Contemporânea), foi uma das responsáveis por lançar, ainda em 1995, uma Enciclopédia de Psicanálise na internet:

-- A Internet não é um monstro assustador para mim, -- diz Lêda. – O projeto da Enciclopédia foi arrojado e tão inovador que custou a ser aceito por muitos profissionais da área, mesmo se tratando de uma profissão “subversiva”, como costumam rotular... Acredito que essa familiaridade com a internet foi um dos motivos pelos quais me senti imediatamente à vontade com o estilo do Clube de Autores.

Como Fábio, ela também está muito contente com os resultados, e surpresa com a repercussão e com as vendas de seus livros. Gosta especialmente da facilidade de fazer tudo de casa, no tempo livre.

O Clube atrai escritores de todos os tipos, atuando em todas as áreas possíveis e imagináveis, de administração (137 títulos) a turismo (22), passando por ciências humanas (200), espiritualismo (188), culinária (12) e ficção (689). Ao contrário dos contratados das editoras comerciais, que recebem percentuais de remuneração fixos, geralmente abaixo dos 10%, são eles que escolhem quanto querem ganhar de direitos autorais. Este percentual se reflete, é claro, no preço final dos livros, que no momento oscila entre R$ 27 e R$ 135. Todos consideram o sistema de prestação de contas do site simples e transparente.

Rachel Costa, a Kel, carioca de 26 anos que começou a vida literária escrevendo fanfics (historinhas paralelas às tramas dos livros escritas por fãs) da série “Crepúsculo”, está muito satisfeita com a experiência. Seu primeiro romance, “The Colt’s secret” (em português, apesar do título), segue a linha das fanfics que fizeram sucesso na internet, em http://kelcosta.net, contando aventuras de jovens vampiros. Kel não só é uma das autoras mais bem sucedidas do site, como uma das dez finalistas do Primeiro Prêmio Clube de Autores de Literatura Contemporânea.

-- Para um livro que não é vendido em livrarias e não possui selo editorial famoso, acho que as vendas estão satisfatórias, -- diz Kel. – Estou com a continuação de “The Colt's Secret” quase pronta, acho que essa história vai precisar de mais uns três ou quatro livros, mas não pretendo ficar sentada esperando alguém se interessar por ela. Felizmente já tenho um vasto grupo de leitores e sei que o que eu publicar, eles compram, de modo que vou seguindo em frente.


(O Globo, Segundo Caderno, 11.7.2010)

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