Joe, Alicia e Emilia moram num planeta distante, cuja órbita só raramente coincide com a do planeta da avó. Ao contrário dos cometas, que vêm e vão em datas pré-determinadas, os dois planetas dependem de inúmeros fatores externos, como tempo, férias e dinheiro, coisas que, a se crer nos livros, não afetariam o comportamento dos corpos celestes, mas que, na prática, conseguem parar galáxias inteiras.
O planeta das crianças e o planeta da avó são muito diferentes, e obedecem a dinâmicas todas especiais. Falam-se línguas distintas nos dois, e os relógios de um não combinam com os relógios do outro. No planeta da avó toma-se café da manhã quando as crianças já estão almoçando!
Mas a diferença mais esquisita mesmo é que os habitantes do planeta das crianças crescem para cima, ao passo que os habitantes do planeta da vó crescem para os lados. (A avó, que não quer crescer para os lados e queria crescer para cima, não se conforma com isso.) Da última vez em que as órbitas dos planetas coincidiram, a Emilia ainda era mais baixa do que a avó; agora está bem mais alta. A ciência ainda não encontrou explicação razoável para isso.
Dizem que, num dos universos paralelos da física quântica, o tempo só passa para os átomos quando olhamos para eles. No planeta de Joe, Alicia e Emilia acontece algo que é quase o inverso desse fenômeno: as crianças só crescem quando a gente não olha para elas. A avó sabe porque, num planeta menorzinho e mais próximo, moram o Fábio e a Nina, que não crescem entre um dia e outro, mas que, de repente, num fim-de-semana qualquer, assustam a família toda, que passou um tempo sem vê-los:
-- Nossa, como cresceram essas crianças! – exclamam tios e parentes diversos, cheios de admiração. Para quem vê as crianças todos os dias, porém, elas continuam iguais, ainda que muito diferentes.
O tempo e o passar do tempo desafiam a ciência e dão saltos esquisitos entre o planeta da avó e o das crianças. O tempo é enorme (mesmo quando é pequeno) e passa muito devagar quando os planetas estão afastados; mas deixa de existir, e é como se nunca tivesse passado, quando as órbitas enfim se aproximam.
* * *
E aí resolvemos ir ao Corcovado, para conferir a sétima maravilha do mundo. Graças ao descaso das autoridades, o que era para ser um singelo programa em família virou aventura radical, em que os turistas são atazanados e intimidados, e tornam-se reféns de bandidos assim que se aproximam da estação do trem. Se estiverem de carro, os flanelinhas vêm buscá-los a laço; se vierem de taxi, serão vítimas de enxames de vendedores de bilhetes de van. Estavamos de carro, e fomos capturados por um marginal que exigiu R$ 20 para “olhar o carro”. Reclamamos.-- Nós somos quarenta pessoas da comunidade, e temos que fechar o caixa.
Que caixa? Em quanto? E como? E por ordem de quem?
-- Nós somos quarenta pessoas, vinte nessa rua e vinte na outra. Se pagar, ninguém vai encostar no seu carro.
Diante de argumento tão convincente, deixamos R$ 15 na mão do meliante, raciocinando que ainda saía mais barato isso do que, na melhor das hipóteses, ter que trocar um pneu cortado. É um raciocínio de perdedor, de cidadão que abriu mão da posse da sua cidade, mas é a ele que o governo nos empurra quando deixa de policiar um dos pontos turísticos mais famosos do mundo.
Não há como fugir dos canalhas do Corcovado, já que a operação correta do trem aparentemente não interessa a ninguém. Chegamos à bilheteria antes das três, mas só havia ingressos disponíveis para a viagem das 17h40. Não havia nenhum estande de informações turísticas visível, nenhum cartaz, nenhuma pessoa decente para orientar quem quisesse ver o Cristo antes do pôr-do-sol. Tentamos obter informações na lojinha de souvenirs:
-- Carro só pode ir até as Paineiras, tem uma fila para o estacionamento e pode ser assaltado. Melhor ir de van.
A máfia cerca os turistas. Seus membros usam camisas pólo verde-claras e usam crachás, como se pertencessem a alguma entidade oficial. Cobram R$ 45 por pessoa, mas esclarecem que o ingresso está incluído no preço. Que ingresso?
-- Para o Cristo. Custa R$ 24,20 lá em cima, mas na minha mão vocês só pagam R$ 20.
E os R$ 45?
-- Então: R$ 20 pelo ingresso, R$ 25 pela van, R$ 45.
O bilhete para a Torre Eiffel, em Paris, custa seis euros, e é vendido sem problemas numa bilheteria civilizada. O bilhete para o Taj Mahal custa o equivalente a R$ 35 para estrangeiros, e dá direito a garrafinha de água. Indianos pagam menos de um real.
Antes de sairmos, o motorista esperou alguns minutos para encaixar dois passageiros a mais num espaço que mal dava para quem já estava sentado. De repente apareceu uma viatura policial, e ele ficou nervoso:
-- Aquele guarda não tá com a gente? – exclamou para o comparsa, do lado de fora. – Como é que pode, tá chamando o reboque! Tem mais dois passageiros aí?
-- Cara, não tem. Vaza logo, não viu que o guarda taí? Tá louco!
Foi essa fina companhia que nos levou até as Paineiras. De lá até o Cristo, tivemos que entrar em outra fila para uma segunda van, menos facinorosa, mas, àquela altura, igualmente suspeita.
Sinceramente? Tenho muita pena dos viajantes iludidos que acham que o Rio é um bom lugar para fazer turismo. Se o principal cartão postal da cidade está assim, o que se pode esperar do resto?
(O Globo, Segundo Caderno, 22.7.2010)
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