O ano em que vivemos perigosamente
Um leitor me escreveu assustado, há algumas semanas, porque encontrou seu endereço e telefone online, numa lista telefônica. Se tivesse fuçado um pouco mais, teria encontrado também vários mapas precisos da localização do seu prédio e, com um pouco mais de sorte -- e, eventualmente, ao custo de uma assinatura mensal -- teria à disposição a melhor forma de chegar à sua casa de qualquer ponto da cidade, a pé ou de carro, driblando ou não o trânsito mais pesado.
A internet está cheia dessas gracinhas muito úteis, mas assustadoras para quem acha, como o meu leitor, que privacidade ainda existe. Eu, felizmente, já perdi esta ilusão há tempos, de modo que não perco o sono com isso. Desde o início dos tempos, gente mal intencionada consegue encontrar seus desafetos com grande facilidade; não ia ser diferente num mundo conectado, em que a única chance de sumir do mapa é, literalmente, voltar para as cavernas -- mais ou menos como fez o Unabomber, que não usava internet, não falava ao telefone, nem tinha contato com ninguém.
A privacidade que tanto queremos preservar durou, como já escrevi uma vez, meia hora histórica. Nunca existiu nas sociedades primitivas nem nos estados totalitários, era ignorada até princípios do século passado e é apenas uma miragem para quem quer que use coisas banais como celular, cartão de crédito, chat, email: a quantidade de traços que deixamos pelo mundo a partir de operações aparentemente inocentes é como um risco vermelho num mapa.
Uma coisa, porém, é saber que privacidade não existe. Outra, bem diferente, é concordar com a sua invasão. 2005 foi, até agora, o pior ano para a liberdade online e a privacidade em geral, e se não nos cuidarmos direitinho, em 2006 as coisas só tendem a piorar.
Nos Estados Unidos, sob o pretexto da guerra ao terrorismo, cada vez mais o governo vem bisbilhotando a vida dos cidadãos, sem qualquer cerimônia: a famosa NSA (National Security Association), por exemplo, tranqüilamente instalava cookies nos computadores dos incautos que a visitavam, para, dizem, "estudar seus padrões de navegação na rede". Denunciada pela Associated Press, parou com a brincadeira; mas quem garante que, amanhã, uma outra agência governamental não faça o mesmo?
Do outro lado do Atlântico, o Parlamento Europeu votou, no último dia 15, a favor de uma legislação que prevê a retenção dos dados de comunicações -- chamadas telefônicas, SMS, endereços de email -- durante dois anos. O conteúdo fica de fora. Em outras palavras, se esta lei estivesse em vigor aqui, e se João mandasse um torpedo para Maria, ficaria registrado junto às operadoras de ambos que uma mensagem foi enviada de um celular para outro às 21h13 do dia 28 de dezembro de 2005 ? embora não ficasse guardado o que foi escrito.
É ingerência demais na vida dos cidadãos e, previsivelmente, está dando uma tremenda confusão entre o Parlamento Europeu, os diversos países da comunidade e organizações não-governamentais preocupadas com privacidade e liberdades civis.
No Brasil, como a maioria dos nossos legisladores ouve o galo cantar sem saber aonde, o PT, justificando seu viés totalitário, propôs algo parecido: os provedores teriam que manter os registros dos usuários e dos emails enviados, mais respectivos cabeçalhos, durante dez anos! Dá para imaginar o que toneladas de spams e mensagens cuti-cuti enviadas por adolescentes custariam aos provedores de internet?! Tal sandice foi felizmente engavetada -- mas não se espantem se renascer das cinzas sob forma ligeiramente modificada.
O preço da liberdade continua sendo a eterna vigilância -- mas da nossa parte, e não da deles.
Temas como privacidade, segurança online e direitos individuais não são leitura fácil e vêm cheios de impalatáveis penduricalhos jurídicos -- mas disso, justamente, é que se têm aproveitado os governos ao redor do planeta para tolher a liberdade dos indivíduos. Se posso dar a todos um conselho para o ano que entra é fazer um esforço redobrado no sentido de ficar de olho nas algemas eletrônicas que nos querem impingir, em nome de uma suposta segurança.
* * *
Eu gostei muito da lista de melhores produtos da PC World (na página 3); e gostei, claro, porque concordo com muitas das escolhas feitas pelos editores da revista.Os meus dez produtos favoritos do ano passado -- sem ordem específica, porque acho impossível comparar alhos com bugalhos -- foram o Pocket HD da Seagate, simplesmente perfeito; o Motorola Razr V3, pelo look, pela qualidade e pelo impacto na indústria; o Treo 650, porque praticamente dispensa o notebook; o GMail, que me fez esquecer o Eudora; o Google Earth; o Skype; o Mozilla Firefox; o Opera Mobile, que finalmente trouxe a web para os smartphones; a Panasonic Lumix FZ20, que embora lançada em 2004 só chegou a estas paragens em 2005; e a Sony P200, uma câmera sem frescuras, mas muito veloz e com uma bateria espetacular.
(O Globo, Info etc., 2.1.2005)
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