Encantando platéias
A MARCHA DOS PINGÜINSTodo ano, assim que começa o inverno na Antártica -- aquele continente onde mal se acredita que haja verão -- os pingüins iniciam uma longa jornada neve adentro. Deixam a relativa segurança do mar e andam em fila indiana, aos milhares, desengonçados e lindos, a caminho do lugar mais frio, desagradável e inóspito do planeta. Alguns abreviam a caminhada dando umas deslizadas de barriga, mas nem isso encurta a viagem de quilômetros através do gelo.
Quando finalmente chegam ao seu destino, o que fazem? Acasalam, claro: há poucos instintos capazes de levar alguém tão longe, exceto, em raríssimos casos, o de fazer um documentário.
Para a sorte de platéias encantadas ao redor do mundo, foi o segundo instinto, e não o primeiro, que levou o cineasta Luc Jacquet e sua equipe ao fim do mundo, onde o time de bípedes implumes gravou algumas das mais impressionantes imagens de bichos jamais vistas, do encontro inicial dos casais à independência final dos filhotes, gerados e criados em condições que desafiam qualquer lógica.
Ainda que pingüins sejam pingüins e que assim venham sobrevivendo há centenas de milhares de anos, é impossível deixar de imaginar que, se a natureza fosse mesmo sábia, daria um jeitinho de inventar uma forma mais simples de produzir novos pingüins. No fim do ciclo, os adultos, que chegam a passar por períodos de dois meses em jejum, perdem mais de um terço do peso.
O único defeito do filme é o roteiro, com atores fazendo as "vozes" das aves. Apesar de sua semelhança com homens em black-tie , pingüins, definitivamente, não são seres humanos. Qualquer tentativa de antropomorfizar animais e seus sentimentos é, na melhor das hipóteses, uma grave incompreensão da fenomenal biodiversidade do planeta. Na pior, é uma jogada sentimental barata para comover as massas.
"A marcha dos pingüins" ("La marche de l'empereur", no original) não precisa disso. Esta Bonequinha vai voltar ao cinema, mas vai levar o iPod para uma boa música de fundo.
(O Globo, Rio Show, 13.1.2006)
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