20.1.06



Fashion Rio: quando a crônica se faz de retalhos

O mundo gira, a Lusitana roda e a Fashion Rio, que durante uma intensa semana parece o centro do universo, ou pelo menos do Rio de Janeiro, some na poeira das estrelas, entre top models que voam para os próximos desfiles e roupas que, cumprido o seu destino, vão para cabides, gavetas, araras e vitrines, já retalhos do passado na cabeça dos seus criadores -- estressadíssimos, todos, com a próxima estação, e o que será a nova novidade daqui a seis meses.

Para quem teve que escrever a crônica de quinta-feira na terça em que o fuzuê mal começara, como é o caso da vossa escriba, a Fashion Rio ainda é algo vivo e real, dando voltas na cabeça e pulando corda com Tico e Teco, entre pontos de exclamação e, sobretudo, de interrogação.

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Mesmo agora, por exemplo, que já sou quase uma veterana, com quatro Fashion Rios no currículo, não consigo entender a lógica dos comerciais que antecedem os desfiles. Sim, eu sei que um evento deste porte não se faz sem patrocinadores; e sim, sei também que patrocinadores patrocinam eventos para expor a marca e para mostrar que, ora, são os patrocinadores da coisa.

A marca do patrocinador deve ser vista, naturalmente, pelo maior número possível de pessoas. O patrocinador faz questão de deixar claro que, sem o seu patrocínio, nada daquilo seria possível -- fato pelo qual, supõe-se, o maior número de pessoas possível passará a olhar para a marca do patrocinador com olhos cheios de gratidão pela generosidade que permitiu a realização de tão arrebatador evento.

Até aí o meu raciocínio vai.

Acho natural que nas tendas onde se realizam os desfiles, nos impressos e em cada canto para o qual se olhe se vejam os logotipos e marcas dos patrocinadores. É justo e, como pessoa que muito se encanta pelas belas coisas realizadas na sua cidade, só tenho a agradecer às empresas que permitem que, a cada seis meses, eu possa me divertir com as modas.

Só não entendo por que as pessoas que já viram as marcas dos patrocinadores espalhadas por toda a parte são obrigadas a assistir, antes de cada desfile, ao replay do mesmíssimo comercial de cada um dos patrocinadores. No primeiro desfile a gente ainda agüenta; no terceiro, quer cortar os pulsos. Agora imaginem como não se sente quem, por obrigação profissional, tem que assistir a 40 desfiles?!

Imaginem, se forem capazes, o ódio que cresce até no coração da mais meiga criatura à quadragésima repetição do mesmo anúncio, no curto espaço de cinco dias?!

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Senhores patrocinadores da Fashion Rio, por favor, tenham piedade dos jornalistas, dos profissionais da moda e do público em geral que tanto ama o evento pelos senhores patrocinado! Garanto que as suas marcas estão vivas nos nossos corações, e creio que não exagero ao dizer que somos todos infinitamente gratos pelo patrocínio, mas acreditem: mais ainda seríamos se fôssemos poupados dos filminhos que, como curtas obrigatórios, nos são impingidos a cada desfile.

Nunca vi moda em Paris, Londres ou Nova York, mas amigas sofisticadas que já viram de tudo no mundo me garantem que isso não acontece em nenhum outro lugar. O que posso asseverar, por ter visto, é que até ali na esquina, em São Paulo, o pessoal já se tocou para esta bobagem provinciana e poupa o distinto público de tal perrengue.

Certa de vossa compreensão, antecipadamente agradeço qualquer consideração da questão para as próximas edições da nossa linda festa.

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E, por falar em linda festa, fica aqui o meu protesto, entre tantos, pela destruição do esplêndido gramado do MAM. Sei que a Fashion Rio não teve nada a ver com a barbárie, herdada do TIM Festival, que armou uma tenda exatamente em cima do gramado com o desenho das pedras portuguesas de Copacabana, obra tombada de Burle Marx -? mas, santos céus, em que mundo estamos?!

OK, ninguém precisa responder, a pergunta é apenas retórica; mas o que é que passa pela cabeça de alguém para detonar daquela forma um dos jardins mais bonitos da cidade?! E que prefeitura insensível é esta que autoriza semelhante loucura?! Em nome de que se manda para o espaço um gramado que é cara do Rio?!

Aliás, pensando bem, a resposta a esta pergunta está na sua própria formulação.

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Do ponto de vista positivo, palmas para o lounge do Sebrae, sempre inovador, desta vez com o look da periferia bem-humorado do Gringo Cardia e um espaço bacana para as criações da Daspu. Ao contrário da Daslu, que só teria a ganhar abraçando a ONG da valente Gabriela Leite -- mas preferiu abrir fogo contra moças humildes feridas pela vida -- o Sebrae provou que tem coração, coragem, compaixão e solidariedade.

(O Globo, Segundo Caderno, 19.1.2006)

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