Síndrome de Poliana, ou:
Sim, há um lado bom na crise
Ontem de tarde li, de uma vez, os jornais dos três últimos dias -- que só tinha lido em pedaços, online ou lá no jornal mesmo. Tudo é deprimente, a começar pelo fato de que fica difícil saber se o que se está lendo é política ou polícia. Em vez dos grandes temas que deveriam nos preocupar, como a educação ou a saúde, tome Delúbio, Marcos Valério, Zé Dirceu...Mas para algumas coisas, pelo menos, a crise está servindo.
A primeira, e mais evidente, é mudar o PT e, quem sabe, mudar a mentalidade petista. Confrontado com o fato inegável de que não é o dono da moral e da ética, pode ser que o partido deixe de ser tão arrogante e autoritário.
Também é possível que, descobrindo que seus dirigentes são políticos como os demais, os petistas passem a ser mais tolerantes com o pensamento alheio, e mais desconfiados em relação a si próprios. Não acredito que isso venha a acontecer, embora torça para que aconteça: uma mudança assim faria bem a todo mundo.
Outro aspecto positivo da crise tem sido revelar à nação a verdadeira natureza das pessoas. Zé Dirceu nunca enganou os que tinham olhos para ver -- e, sobretudo, para ler. Não faltam sinais na sua biografia indicando a pessoa nefasta que é. Se o resultado de todo este imbroglio for única e exclusivamente o seu afastamento do poder, a crise já terá tido a sua utilidade.
Mas nada como os holofotes da TV Senado em tempos interessantes para nos mostrar quem são, de fato, os políticos que achávamos que conhecíamos. Acredito que os vídeos mostrando os piores momentos de cada um servirão lindamente ao longo dos anos a seus adversários; e acho que, neste fogo cruzado, muito poucos vão se salvar.
Nas próximas eleições vamos ter repeteco de todo o festival de baixarias, de Jorge Bittar espezinhando a secretária a Arthur Virgílio xingando o presidente. Afinal, uma coisa é o que a gente acha e diz dele numa mesa de bar, numa charge de jornal, num forum na internet; outra é a tribuna do Senado.
Por pior que seja o presidente, há um simbolismo no cargo que não pode ser desrespeitado nas altas esferas. Se um senador da república não tem educação e não entende este princío básico, o que se pode esperar dele?!
Mas há mais coisas boas nisso tudo que aí está. Ao escancarar a maneira como se financiam campanhas e jogar no ventilador as cifras monumentais da corrupção, o deputado Roberto Jefferson prestou um grande serviço ao país.
Que corrupção existe no Brasil desde sempre todos nós já sabíamos; o que ignorávamos é como acontecia, por quais desvãos se infiltrava. De repente, o país está tendo uma Aula Magna sobre o assunto, dada por um de seus principais expoentes.
Não é pouco não.
Ficamos todos mais espertos, mais atentos, mais desconfiados.
Este poderia até ser o primeiro passo para um processo de moralização do país; mas, infelizmente, a crise revelou também que há um enorme vazio no governo. Lula pode ser um sucesso na França, mas até hoje não descobriu que o papel de um presidente não é rodar o mundo numa nuvem de glória, e sim pisar na lama para tirar o país do atoleiro.
Com exceção do caso da Gamecorp, que não podia ignorar por estar dentro da sua própria casa, acho que ele de fato não sabia o que estava acontecendo. Ou, por outra: sabia fazendo não saber, como tanta gente faz na sua vida amorosa -- e não sabia, portanto, a real extensão do estrago.
A verdade é que enquanto a gente faz de conta que ignora, não precisa tomar providências; mas, por outro lado, fica refém de suposições que nem sempre refletem a realidade. Esta é uma posição cômoda, mas muito perigosa. Uma mulher fiel que desconfia que está sendo traída mas prefere não tomar conhecimento de nada corre o risco de só descobrir a verdade quando pegar Aids do marido -- e aí já é tarde.
O que nos resta é torcer para que, com o susto, Lula ponha os pés no chão, tome uma atitude e comece a governar o país como prometeu fazer. E que todos nós, agora devidamente alertados, passemos a exigir mais clareza, mais serviço e menos lero lero daqueles que, afinal, são nossos funcionários.
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