24.6.04







Sònar 2004: uma espécie de Woodstock com tomada

Imaginem a situação: um cidadão mora ao lado do Museu de Arte Contemporânea de Barcelona, um lugar lindo, tranqüilo, cercado de paz e de ruas para pedestres. De repente, instala-se lá um festival inteiro de música avançada, trazendo, na esteira dos decibéis, uma multidão de jovens empolgados e ruidosos. Não, não é de admirar que os elegantes vizinhos do Sònar 2004, que obviamente nunca viram um trio elétrico e jamais passaram por um carnaval, tenham ido à luta. Eles fizeram demonstrações de protesto, espalharam lindos cartazinhos anti-Sònar por toda a cidade e conseguiram até um certo espaço nos jornais, o que não é um feito desprezível, considerando-se a quantidade de manifestações do contra que acontecem em Barcelona todos os dias, por qualquer dá-cá-aquela-palha.

Gosto de silêncio nas horas apropriadas e gosto mais ainda de ver a cidadania em ação, mas o caso me deixou meio atormentada. É que adorei o Sònar, que é bem mais do que um simples festival de música — e fiquei fascinada, entre outras coisas, com aquela localização extraordinária, com o contraste entre os edifícios centenários e os grafites que rapidamente preenchiam os espaços em claro. Para não falar no som arrepiantemente contemporâneo, quebrado, de vez em quando, pelas badaladas imemoriais dos sinos nas igrejas.

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A proposta do Sònar — que se realiza há 11 anos na Espanha e que, este ano, vai ter uma primeira edição brasileira em São Paulo — é mergulhar o público no mundo de sons, imagens e idéias que vive na fronteira entre a arte e a tecnologia.

Os shows noturnos de música eletrônica, sua principal razão de ser (e realizados, aleluia!, bem longe da vizinhança à beira de um ataque de nervos do museu), contaram com uma verdadeira constelação de astros do setor, de Ryuichi Sakamoto a Jeff Mills e Massive Attack, passando por um bom time brasileiro do funk e do hip hop. Para toda uma tribo conectada, porém — na qual se insere a vossa cronista — o mais interessante mesmo foi ver tantas personalidades e manifestações da arte digital reunidas num só lugar. Até Robert Moog — o pai dos sintetizadores eletrônicos, lembram? — apareceu para trocar idéias.

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Houve espaço para a teoria e para a prática, para o real, o virtual e o analógico, representado pela lomografia, “seita” fotográfica que trabalha com um velho tipo de câmera soviética. A questão é que, apesar de analógica, a arte da Lomo, imprecisa e cativante, ganhou vida nova na web, onde a comunidade vibra com exposições, concursos e convocações para congressos mundiais.

Como conceito, a lomografia, que conta com muitos e bons adeptos brasileiros, é prima-irmã das pequenas imagens desfocadas capturadas por celulares, em que o importante não é a perfeição técnica buscada pela (e na) fotografia, mas o, digamos, “conjunto da obra”, e a eficiência do recado.

Olhando assim de raspão, a galera que curtia o som no Macba podia estar em qualquer lugar dos anos 70: muitos protestos contra a guerra, muita roupa indiana, muito cabelo comprido, muita gente descalça, muitos casais com criancinhas pequenas brincando na grama. Bastava olhar para o chão, no entanto, para ver que não se fazem mais Woodstocks como antigamente. A grama era sintética.

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Voltar das férias é uma experiência traumática. Um dia você está lá, linda, leve e solta, sem nenhuma preocupação no mundo; no outro aterissa no epicentro de um cotidiano de prazos, pressões, gatos revoltados e — horror! — imensos extratos de cartões de crédito em moeda forte.

Resultado: estou completamente dividida, com o corpo aqui e o pensamento lá, perdido entre Veneza e Barcelona, divertindo-se com comparações, estabelecendo paralelos, encontrando semelhanças em contrastes.

Em outras palavras, preparem-se. Ainda vou escrever muito sobre as minhas férias...

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Respondendo a leitores: a máquina usada para a foto da coluna da semana passada foi uma Kodak DX6490, automaticamente programada para cenas de esporte. “Congelar” uma cena e capturar uma pessoa no ar, porém, qualquer câmera faz. O que esta específica Kodak tem de diferente é um zoom óptico de 10x, que me valeu muito no caso, já que eu não estava na beira da piscina, mas sim no meio do público, por trás de uma cerca, e a uma boa distância da cena. Gosto bastante desta câmera que, a meu ver, só tem um defeito: demora para gravar as fotos. A outra máquina que uso — e com que fiz a foto de hoje — é uma Sony P10. Ainda em relação ao assunto da semana passada: os nadadores masters do Flamengo pedem socorro. Não podem treinar porque os aquecedores da piscina estão com defeito, e a água está gelada. Eles contam que já foram registrados até casos de hipotermia, mas que, nem assim, o clube tomou providências. Puxa vida. Logo o Flamengo?!

(O Globo, Segundo Caderno, 23.6.2004)

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