Em defesa do ‘manto sagrado’
A camisa do Flamengo, um dos símbolos mais fortesda cultura brasileira, deveria ser tombada
Nunca pensei que, um dia, eu fosse escrever sobre futebol. Não acompanho campeonatos, nunca sei de qual Ronaldinho estão falando e, até hoje, só fui ao Maracanã uma vez. Para ver o show do Paul McCartney. Mas sou brasileira e, no Brasil, mesmo quem não gosta de futebol vive futebol; a cultura dos times está no nosso sangue, faz parte de quem somos.
Não posso dizer que “sou Flamengo”, porque imagino que “ser Flamengo” seja acompanhar o time ou, pelo menos, saber quando ele está jogando, e contra quem — e nunca sei nada disso. Mas eu amo o Flamengo.
Meus filhos são rubro-negros, o clube fica praticamente na esquina de casa e, quando penso no que melhor representa o Rio para mim, uma das primeiras imagens que me vêm à mente é a do carioca cheio de marra vestindo a clássica camisa de listas pretas e vermelhas.
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Até terça-feira passada, eu achava que isso era maluquice de carioca nostálgica que não entende nada de futebol, e ficava na minha; mas então descobri que já rola, na internet, um lindo texto do Maurício Neves (que mantém o site www.mantosagrado.kit.net) e do Arthur Muhlenberg a respeito do assunto. Como rubro-negros da gema, os dois também se manifestam preocupados:
“A camisa mudou ao longo dos anos, é verdade. Precisou render-se ao patrocínio, não é mais de pano pesado, os números não são mais costurados e o CRF foi trocado pelo escudo, formando uma absurda composição de escudo sobre escudo. Sobrevive no nosso imaginário, porém, sempre do mesmo modo: listras rubro-negras e CRF no lado esquerdo do peito.
A verdade é que a nós, flamenguistas, apavora a possibilidade de que o nosso fornecedor de material esportivo, a Nike, faça com o Manto Sagrado o mesmo que fez com a camisa da seleção brasileira, transformada em um artigo fashion como outro qualquer.”
Pois este é o ponto. Referências culturais são, ou deveriam ser, sagradas — ainda que sejam camisas de futebol. Nelas nos reconhecemos não só como torcedores, mas, sobretudo, como brasileiros. Pôr os interesses econômicos de uma fábrica de material esportivo acima de símbolos tão poderosos da nossa identidade me parece um tremendo gol contra.
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Redi cultivava essa imagem e essas histórias. Era o primeiro a contá-las, aparentemente resignado, se não contente, com sua incapacidade de adaptação ao planeta. Mas é óbvio que devia haver nele, também, um fio terra bastante bem conectado, ou não teria sido capaz de perceber, com tanta graça e clareza, as incongruências da vida e da arte. Qualquer arte: além de cartunista, Redi era um músico excepcional, à vontade com praticamente qualquer instrumento. Mas, não fosse quem era, tocava cuíca. Como um virtuose.
Tudo podia acontecer — e em geral acontecia — com o personagem Redi; menos morrer.
Isso não estava no script, não combina, não faz sentido.
Afinal, a graça é que ele sempre sobrevivia a si mesmo.
(O Globo, Segundo Caderno, 19.02.2004)
P.S. Se a coluna de hoje parecer muito familiar, é porque é mesmo: vocês leram aqui antes... ;-)
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