19.7.02



Um Grande Garoto

Incrível: um grande filme!


Este filme tinha tudo para dar errado. É a história de um menino esquisito, perseguido pelos colegas, forçado pela mãe hippie e depressiva a ser “diferente” numa idade (e numa época) em que o importante é não se destacar do rebanho, e de sua redentora amizade com um homem que quer distância de crianças e compromissos. Como se isso não bastasse, é com Hugh Grant. E, como se isso não bastasse, o grande destaque da trilha sonora é a insuportável “Killing me softly”, de Roberta Flack, lembram? Argh!

Você assistiria a uma coisa dessas? Nem eu! Mas alguém tinha que fazer este sacrifício pelo Rio Show — e lá fui eu, com aquela sensação de quem acaba de doar o corpo à ciência. Entre o apagar das luzes da sala e a rolagem dos créditos finais, porém, aconteceu algo raro e verdadeiramente surpreendente: um grande filme, dirigido com extrema sensibilidade e estrelado por atores extraordinários — dos quais o não menos extraordinário é, justamente, Hugh Grant.

Mais maduro, menos ridiculamente “britânico” e com um timing de comédia irrepreensível, ele consegue fazer do fútil e descartável Will um personagem não só plausível, como até gostável . O segredo? Simples: em nenhum momento ele trabalha nos extremos da escala. Will é um canalha, mas não tão completo quanto gostaria de ser. Mais tarde, quando amadurece, graças à bizarra amizade com o menino Marcus, torna-se apenas um cara legal — mas não muito mais do que isso.

Muito disso se deve, imagino, à sutil e inteligente direção de Paul e Chris Weitz, que deram ao romance de Nick Hornby um tratamento adulto e contido. A dimensão humana das personagens é respeitada; não há heróis ou vilões em cena, apenas pessoas. Mal ajustadas, sim, mas... uh, “normais”. Ou quase. Isso se aplica, particularmente, a Fiona (Toni Collette), mãe de Marcus, sempre a um passo do suicídio, mas sempre consistente na sua maluquice.

Marcus (Nicholas Hoult) é um capítulo à parte. Uma espécie de Damien diretamente saído de “Jornada nas estrelas”, ele é, antes do encontro com Will, um mico só. Quando o filme acaba, ele continua sendo um mico — mas um mico discreto, autoconfiante, que aprendeu com Will a decifrar os códigos de uma sociedade que valoriza emblemas externos aparentemente irrelevantes, como o tênis da moda. Uma boa lição, que retribuiu mostrando a Will que nenhum homem pode ser uma ilha — ainda que essa ilha seja Ibiza.

(O GLOBO, Rio Show, 19.07.02 Bonequinho aplaudindo sentado)

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