Tudo azul... em Campinas
Enquanto o Rio perde uma empresa,os cariocas perdem tempo e dinheiro
Sempre pensei que atrair empresas para o Rio fosse um bom negócio para a cidade e para o estado, sobretudo empresas ligadas a turismo. Pois parece que pensei errado. O governador, que deve entender mais disso do que eu -- até porque viajar tem sido sua principal atividade desde que assumiu o governo -- acaba de despachar para Campinas uma companhia aérea novinha em folha, que queria se estabelecer aqui e operar a partir do Santos Dumont.
Eu também achava, por sinal, que o Santos Dumont devia ser mais bem aproveitado, sobretudo depois que gastaram toda aquela dinheirama na sua reforma. É bem localizado, conveniente para quem vai e quem vem. Seu saguão quase sempre deserto é, sem dúvida, muito confortável para quem viaja, mas não parece fazer qualquer sentido operacional. Por outro lado, que sentido faz sair do Rio para, digamos, Brasília ou Belo Horizonte, gastando muito mais tempo no engarrafamento, na Linha Vermelha e num Galeão caindo aos pedaços do que no avião propriamente dito?
É claro que vejo a situação como uma viajante comum, que não usa helicóptero, vai de taxi para o aeroporto e nem sabe onde fica o hangar dos jatinhos executivos. Não tenho, portanto, a privilegiada visão do governador, que, lá do alto, certamente há de saber o que é melhor – se não para nós, pelo menos para ele, para as demais autoridades do ramo e, last but not least, para a TAM e para a Gol. Mas também, o que é que eu quero? Ninguém pode pensar em todo mundo ao mesmo tempo.
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A Azul entra no ar (literalmente) a partir do dia 15 de dezembro e, segundo ótima entrevista dada por seu proprietário a Geralda Doca, aqui do jornal, terá passagens até 75% mais baratas do que as da concorrência. Eu não sabia quem era David Neeleman até começarem a surgir as primeiras notícias a respeito da Azul, mas, há tempos, sou fã da JetBlue, sua voadora norte-americana -- essa sim uma empresa de linhas aéreas verdadeiramente inteligentes, que sabe que passageiro, por barato que esteja pagando, quer algo mais de uma viagem além de barras de cereal.Tenho certeza de que o povo de Campinas deve estar muito contente com o inesperado presente que ganhou, de mão beijada, do governo do Rio de Janeiro: quem é que não quer viajar sem escalas a um precinho camarada? O mínimo que a câmara de vereadores local poderia fazer, em troca, era dar a Sérgio Cabral o título de cidadão honorário, pelos excelentes serviços prestados à cidade.
Enquanto isso nós, cariocas, que já somos obrigados a ir a São Paulo para qualquer viagem internacional, continuaremos amarrados ao Galeão para vôos que poderiam perfeitamente sair ali da esquina. O secretário de transportes Júlio Lopes (outro que, há tempos, deve ter uma visão muito privilegiada lá do alto para não ver o que aos usuários comuns parece óbvio), afirma que a Azul é bem-vinda “desde que respeite as regras que visam à consolidação do Galeão”. Ou seja: desde que só use o Santos Dumont com o máximo de escalas e de desconforto para os passageiros.
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E, já que estamos nisso: estava eu na fila para embarcar, há duas semanas, quando um grupo de mocinhas uniformizadas aproximou-se, distribuindo um folheto. Pensei que fosse promoção de assinatura de revista ou de operadora de telefonia, os dois maiores sucessos do hit parade da chateação aeroportuária desnecessária, mas, surpresa!, era uma novíssima novidade.O folheto – na verdade, uma folha do tamanho de dois cartões postais, impressa a cores num ótimo papel – era propaganda da Infraero. Aceitei um e li com atenção; afinal, havia sido pago com o meu dinheiro. Num dos lados, na parte de baixo, um rapaz sorria, não sei exatamente do quê. Na parte de cima, estava escrito o seguinte: “A Infraero vem trabalhando 24 horas, de segunda a segunda, para deixar o Galeão melhor a cada dia”.
Do outro lado, mais uma frase de efeito: “O Galeão é grande. E, por isso mesmo, a reforma não é pequena.” Em alguma repartição, alguém deve estar se achando um gênio. Depois, mais lero lero a respeito das “importantes mudanças” e da “modernização e revitalização”, que, em tese, tornarão o Galeão “ainda melhor para todos nós”. Como, “ainda melhor”? Quer dizer que eles acham que está bom?
Mas o mais importante não é isso. É a lista do valor das obras em execução. Certamente querendo mostrar “transparência”, a Infraero informa: a substituição do piso e do revestimento vai ficar em R$ 3.744.723,97; a reforma dos sanitários públicos, a R$ 4.015.502,26; a instalação dos monitores de vigilância, R$ 1.414.117,63; e assim por diante. O custo dos folhetos, bem como o do encarte que saiu semana passada nos jornais, não foi especificado. Pergunto: dá para levar a sério um orçamento de milhões que especifica centavos? Pergunto de novo: isso é sacanagem, má fé, safadeza, ou todas as respostas acima?
(O Globo, Segundo Caderno, 28.11.2008)
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