13.10.08


Estranho, muito estranho

O cerumano adora um lugar comum. É por isso que, cerumana que sou, começo esta coluna dizendo que os Estados Unidos são um país de contrastes. Pensando bem, nunca vi nenhum país homogêneo, a começar pelo nosso, mas isso não é novidade; então voltemos à caixinha de surpresas que é aquele país do outro lado do Atlântico.

A maior potência tecnológica do mundo, o campeão de consumo de computadores, GPS, iPods e gadgets de toda a espécie –- e, no entanto, um desastre quando se trata de celulares (o que, de certa forma, explica o sucesso estrondoso do iPhone, mas isso é outra história).

O grau de incompreensão da coisa chega a ser constrangedor. Por exemplo: todos referem-se a seus celulares como modelos da Verizon, da AT&T, da T-Mobile -- que são operadoras, e não fabricantes. Mas isso porque as operadoras, lá, ainda usam aparelhos “customizados”, em que seu logotipo aparece mais do que a marca do fabricante, e sua interface se sobrepõe aos padrões estabelecidos mundo afora.

O resultado é que a variedade de modelos acaba um tanto restrita, bem como a sua funcionalidade. O Bluetooth, que finalmente foi descoberto pelos usuários, continua troncho e, em conseqüência, pouco usado para o que faz melhor, que é a troca de arquivos entre celulares. Lá, ele continua sendo, basicamente, um jeito de usar headphone sem fio.

(Agora mesmo, brincando com um iPhone 3G absolutamente legítimo, não consigo enviar fotos para qualquer outro aparelho. Já experimentei conectá-lo ao Nokia N95, ao Sony Ericsson K790 e ao Samsung V820, sem resultado. Todos reconhecem as respectivas existências, mas a transferência é impossível. Não descarto a hipótese de defeito ou má configuração no aparelho, mas já vi esse filme com alguns Motorola: por trás de tudo, estava a mão pesada da Justiça, pronta a fulminar infrações de direitos autorais.)

Os torpedos viraram febre. Segundo pesquisa da CTIA, uma das associações da indústria, em junho passado foram enviados cerca de dois bilhões e meio de torpedos por dia no país, um aumento de 160% em relação ao ano passado. No entanto, reparem bem, cada torpedo custa ao usuário 20 centavos de dólar! Um preço obsceno, sobretudo quando se leva em conta que os custos da telefonia móvel nos Estados Unidos são até razoáveis.

Na maioria dos planos, pré-pagos inclusive, sairia muito mais barato ligar e dar o recado em viva voz -- ainda que os usuários paguem em média 14.5% de impostos sobre os serviços, quase o dobro do que pagam sobre alimentos e bens de consumo. Em termos de transmissão de dados, uma mensagem de texto não é nada; calculando em Kilobytes, um Kb de torpedos custa, lá, quase US$ 1.500. Em suma: eles gastam mais para se comunicar pior.

Para nós (e para o resto do mundo), acostumados a pacotes de torpedos baratos, quando não gratuitos, tai uma equação que não faz sentido.


(O Globo, Revista Digital, 13.10.2008)

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