16.10.08


Carta aberta para Paes e Gabeira

Senhores candidatos: sei que ambos andam muito ocupados nesse momento, gravando programas para o horário eleitoral, fazendo corpo a corpo, preparando-se para debates. Sei, portanto, que a possibilidade de que venham a ler esta crônica é nenhuma; mas sei também que, por trás de cada um, há uma equipe atenta ao que sai na mídia. É por isso que escrevo. Com alguma sorte, um assessor de bom coração transmitirá o recado a vossas excelências.

Meu pedido é simples: lembrem-se, por favor, de que nem todos os habitantes da nossa cidade são bípedes. Muitos são quadrúpedes, e a sua qualidade de vida, como a de todos nós, vem se deteriorando assustadoramente. Ao contrário dos humanos, eles não podem escolher quem será seu prefeito; mas os bípedes que se importam com a sorte dos animais vão levar muito a sério, acreditem, a missão de representá-los no próximo dia 25.

Por isso, gostaria de saber se algum dos dois já parou para pensar nos milhares de bichos desabrigados com os quais dividimos nosso espaço. O problema, ainda que pareça insignificante diante das demais mazelas do Rio, agrava-se a cada dia. É até provável que nenhum dos senhores saiba que existe, na Prefeitura do Rio de Janeiro, uma Secretaria Especial de Promoção e Defesa dos Animais. Se este for o caso, não se sintam culpados; esta, que é uma secretaria da maior importância, onde há funcionários abnegados que fazem o que podem com as minguadas verbas que chegam às suas mãos, caiu, infelizmente, na irrelevância e no ridículo.

Dá-se que o falecido alcaide decidiu que a pasta deveria ser ocupada por atores ou celebridades, o que sem dúvida chamou a atenção para a sua existência – mas, como seria de esperar, pelos motivos errados. Neste último reinado, especialmente, muito foi feito em prol do secretário-celebridade e do seu comércio de aves exóticas, e muito pouco em prol dos animais de fato necessitados.

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A Sepda tem uma página bonitinha na internet. Quem olha assim, virtualmente, acha que os animais cariocas vivem no melhor dos mundos, especialmente depois da inauguração do Centro de Proteção Animal da Fazenda Modelo. Mas esses nomes simpáticos, senhores candidatos, escondem processos de triagem suspeitos e convênios com instituições de ensino que praticam vivissecção.

A situação só não está pior porque a Sepda não tem um tostão; e porque o secretário-celebridade anda tão ocupado tentando salvar a Amazônia que não tem tempo para dedicar aos bichos do Rio. Salvar a Amazônia é mais chique, dá menos trabalho e, no geral, é atividade que se exerce em salões elegantes e conferências internacionais. Além disso, enquanto se preocupa com a floresta, o secretário não corre o risco de dar provas do seu despreparo para o cargo. Afinal, quem estreou na defesa animal afirmando que pombo transmite raiva tem mais é que manter distância da causa.

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Independentemente do que se faça com a Fazenda Modelo, porém, ela parte, no que diz respeito aos animais domésticos abandonados, de uma concepção de manejo inteiramente ultrapassada. Recolher cães e gatos de rua e empilhá-los em depósitos insalubres longe das vistas dos cidadãos pode até ser prático do ponto de vista administrativo, mas é errado – criminoso, mesmo -- do ponto de vista moral e humano. E é, além disso, inútil: quantos animais se recolham, tantos tornarão a aparecer. A saída está, como em tudo o mais, na educação e na saúde. Deve-se conscientizar a população, alimentar, castrar, vacinar e tratar dos animais. E, sobretudo!, deixá-los onde estão. Bichos recolhidos como trastes e levados para campos de concentração disfarçados de abrigos morrem de desespero em pouquíssimo tempo -- quando têm sorte.

Colônias de gatos bem cuidados, no entanto, se dão muito bem com humanos. Não sei qual é a experiência do senhor Eduardo Paes no convívio com animais, mas o senhor Fernando Gabeira, como sócio e freqüentador assíduo do Flamengo, é testemunha de como uma administração inteligente e sensível pode tornar a vida boa para todos, gente e bichos. Aliás, se quiser saber maiores detalhes, candidato, procure o gente boa Celso Pereira, que ele pode lhe contar a história de todos os quadrupinhos residentes, um por um.

Enquanto nosso popular Flamengo dá uma lição de civilidade, logo ali adiante, no elegantíssimo Jockey, a diretoria continua dando demonstrações explícitas de sadismo e crueldade. Depois de exterminar quase todos os gatos que lá viviam pacificamente, sem fazer mal a ninguém, proibiu, agora, a entrada das protetoras que alimentavam e tratavam dos remanescentes. Resultado: esses poucos gatos pingados estão morrendo de fome e de sede -- num clube que, em tese, reúne a fina flor da sociedade carioca! Vai ver, os ilustres diretores da casa preferem os ratos. Só pode ser questão de afinidade.

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Como os senhores vêem, temos um longo caminho a percorrer até chegar a um estágio minimamente digno de convívio com os animais. Diante da violência e do abandono a que o Rio chegou, diante do descaso e da brutalidade que dominam a nossa cidade, cuidar do bem-estar de quadrúpedes, que nem título de eleitor têm, pode parecer uma questão menor. Não é. Lembrem-se, por favor, da clássica frase do Mahatma Gandhi:

“A grandeza de uma nação e o seu progresso moral podem ser julgados pela forma como seus animais são tratados.”

E olhem que nem falei do Parque Laje, onde, além dos animais, estão assassinando também as árvores. Inteirem-se.


(O Globo, Segundo Caderno, 16.10.2008)

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