28.5.08


Maracanã: eu, no gol



Fui ao Maracanã pela primeira vez no dia 21 de abril de 1990, para ver o show do Paul McCartney. Havia pouca gente, só 139 mil pessoas; no dia seguinte, o público de 184 mil pagantes entraria para o Guinness Book como o maior show realizado até então, mas, para o meu gosto, a platéia menorzinha já estava de bom tamanho. Minhas lembranças da noite são impressionistas, para usar um eufemismo que, a essa altura, é o que me salva de confessar que já esqueci de quase tudo. Que músicas ele cantou? Como estava vestido? Quem se apresentou junto? Tirando o fato de que Linda McCartney fazia parte da banda, nem desconfio do resto.

O que ficou mesmo foi um conjunto de sensações: um Beatle ao vivo, a fenomenal energia da platéia emocionada, a ligação para os meus filhos que estavam em Brasília, segurando o telefone virado para o palco, para que eles também pudessem ouvir um pouquinho. Telefone esse um orelhão, bem entendido, porque os celulares, embora tivessem chegado ao Rio no ano anterior, ainda eram, essencialmente, aparelhos móveis que, por causa das antenas enormes e das baterias pesadas, só funcionavam em automóveis – quando funcionavam.

Havia uma série de orelhões dispostos ao redor do gramado. Lembro que achei uma atitude muito amável da Telerj instalar os aparelhos para que nós, fãs emocionados, pudéssemos ligar para quem tinha ficado em casa. No dia seguinte, fui alvo de tremenda gozação por parte dos colegas do esporte, que me explicaram que os orelhões estavam lá desde sempre, como apoio às equipes e aos funcionários do estádio.

A lembrança de maior impacto, no entanto, ficou sendo mesmo, para sempre, a entrada no Maracanã. O espaço reservado à imprensa ficava no gramado, e chegávamos lá através de um daqueles túneis por onde passam os jogadores antes e depois das partidas. Eu estava com o Xexéo e, ainda na área dos vestiários, já se ouvia a gritaria das arquibancadas. Falem-me em "luz no fim do túnel" e, até hoje, a associação que me vem de imediato é a dos holofotes que iluminavam o gramado, lotado de gente, e o palco onde, em breve, se apresentaria o Paul.

Nos poucos segundos em que se atravessava o túnel ouvindo o barulho cada vez mais alto até a saída naquele mundo de luz, não havia como não se pôr na pele de um jogador. Imaginei a adrenalina, a responsabilidade, o que deve ser a assustadora noção de saber que cada uma daquelas pessoas está de olho nos seus mínimos movimentos. Ainda hoje, tanto tempo depois, evocar essa lembrança me dá um frio automático na barriga.

* * *

Na terça-feira retrasada, passados 18 anos, voltei pela segunda vez ao Maracanã -- agora, para conversar com o Cesar Osmar Santos da Silva, jardineiro que cuida para que os ninhos dos quero-queros não sejam massacrados durante os jogos. O dia estava lindo, o estádio vazio e, até a sua chegada, tive a glória de ser a única pessoa no gramado.

Não sou de futebol, mas tenho, caramba, o sentimento da História. Olhei para o céu recortado pela moldura do estádio e para as cadeiras coloridas, passei a mão na grama (mais dura do que eu imaginava), percorri com o dedo um trecho dos traços brancos que marcam o campo. Finalmente, me postei debaixo de uma das balizas e, juro, fiquei arrepiada dos pés à cabeça.

Já visitei praticamente todos os palácios e sítios históricos do país, mas em nenhum tive a mesma emoção, o mesmo sentimento de estar vivendo um instante privilegiado. Nem poderia. A nossa História é uma pobre sucessão de equívocos e de mal-feitos, sem qualquer vestígio de grandeza; quase o oposto do nosso futebol que, a despeito de tudo, conserva uma dimensão heróica. Se, naquela hora, alguém cantasse o Hino Nacional, eu teria me desmanchado em lágrimas. Fui poupada do vexame pela chegada do Cesar Osmar, que me contou tudo a respeito dos seus quero-queridos.

* * *

Pode ser que todos já saibam, mas aceito o risco de chover no molhado: ir ao Maracanã, aberto à visitação diariamente, das 9hs às 17hs, inclusive aos feriados, é um passeio lindo e muito especial, até porque os visitantes podem percorrer áreas que, em dias de jogo, ficam inacessíveis a mortais comuns, como a tribuna de honra ou os vestiários e a área de aquecimento dos atletas. Lá, por sinal, há um gramado sintético com baliza e tudo, onde quem gosta de futebol pode se divertir chutando bola.

Além disso, o passeio tem calçada da fama, painéis que relembram os grandes momentos do futebol e até um "túnel do tempo", com o clamor da torcida, para não falar na indefectível lojinha de souvenirs. No fim da tarde, na entrada do gramado, quem gosta de pássaros pode ver os cinco quero-queros que moram lá. No dia em que eu fui, dei sorte e vi também um bonito casal de gaviões dando rasantes. A entrada custa R$ 20, mas estudantes e cariocas pagam meia, desde que mostrem carteira ou comprovante de residência. Portadores de necessidades especiais e a turma da terceira idade não pagam nada. O estacionamento é gratuito.

* * *

Durante a cobertura da última Copa, na Alemanha, visitei vários estádios de futebol, mas, sinceramente, não achei nenhum tão bonito quanto o nosso Maracanã.

Um dia ainda vou lá ver um jogo.


(O Globo, Segundo Caderno, 29.5.2008)

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