Eles são brasileiros e
não desistem nunca
Os nomes são Antonio Carlos Carrasqueira, Luis Carlos Justi, Paulo Sergio Santos, Philip Doyle e Aloysio Fagerlande. Juntos, são conhecidos como Quinteto Villa-Lobos – um grupo tipicamente brasileiro, da composição multi-étnica à musicalidade, do trabalho incansável à tenacidade que desafia entraves burocráticos, falta de estímulo, de grana e de divulgação. No outro dia mesmo, conseguiram a façanha, inédita para um grupo de música clássica, de levar para casa o troféu de Melhor Grupo Musical do Prêmio Rival Petrobrás, pelo maravilhoso CD "Quintetos de Sopro Brasileiros, 1926-1974". Para variar, quase ninguém ficou sabendo. Também, quem manda? Nas apresentações deles, só tem música, música e mais música; não tem mulher melancia nem dança do créu. O que é que eles estão pensando da vida?!
A distância que a música de câmera mantém de tão eficientes ferramentas de marketing não dá prejuízo só na conta bancária de quem insiste na modalidade. Infelizmente, perdemos todos, porque o Quinteto Villa-Lobos não é apenas tão bom quanto os melhores quintetos de sopro estrangeiros; em se tratando de música brasileira, ele é, objetivamente, muito melhor. Isso porque, além da técnica impecável e do lindo som de cada um dos seus integrantes, ele tem aquele negócio indefinível, não-ensinável e essencial, chamado ginga.
Minha irmã Laura, flautista, a Rónai certa para falar dessas coisas, garante que o grupo conta, ainda, com um ingrediente extra: seus cinco integrantes são malucos, qualidade sabidamente necessária ao métier. Fanáticos pela música escrita aqui, não poupam esforços para tocar, gravar e divulgar nossos compositores clássicos, tão pouco conhecidos:
-- Só eles podem fazer isso, -- diz a Laura. – Volta e meia, as peças que tocam são inacreditavelmente difíceis. Não conheço ninguém com a qualidade deles disposto a perder tanto tempo estudando para tocar e gravar obras quase desconhecidas. É um trabalho insano, heróico mesmo, não há outra definição.
O Quinteto Villa-Lobos é o conjunto de câmera mais antigo em atividade no país: existe há 46 anos, o que, provavelmente, é também uma espécie de recorde mundial, sobretudo levando-se em conta que, ao longo de todo esse tempo, nunca teve apoio oficial, nunca foi bancado por ninguém, e os eventuais patrocínios que conseguiu foram, todos, batalhados em concorrências públicas, projeto a projeto.
Muitos músicos se alternaram nos instrumentos, mas há consenso entre o povo da área que a atual formação, junta há onze anos, é a melhor que já se ouviu. O clarinetista Paulo Sérgio Santos, 49 anos de idade, 30 de quinteto, é o decano da turma. Depois dele, foram chegando o oboísta Luis Carlos Justi, o trompista Philip Doyle, o fagotista Aloysio Fagerlande e o flautista Toninho Carrasqueira.
O que mantém o foco e a altíssima qualidade do grupo é que algumas de suas marcas registradas continuam as mesmas desde que foi fundado, em 1962. A primeira, claro, é a dedicação à música brasileira. O Quinteto Villa-Lobos toca choro, sim senhor, mas toca também música inédita de jovens compositores e, em 2006, gravou o CD “Um sopro novo”, dedicado a esses novos talentos; e toca compositores consagrados, que exigem alto nível técnico -- embora, paradoxalmente, tenham um retorno de público limitado.
É aí que o quinteto, coitado, acaba vítima de uma espécie de Síndrome de Tostines do mal, que ataca tanta gente boa no país. Como o público de música clássica no Brasil é relativamente pequeno, a mídia dá pouco ou nenhum espaço a quem faz música clássica; em conseqüência, quem não conhece o gênero perde a chance de se familiarizar e, ignorando o que não pode saber, não vai aos concertos. Resultado: quem quiser ouvir o Quinteto Villa-Lobos no rádio, por exemplo, não terá muita chance fora da Rádio MEC. Nas rádios comunitárias, porém, menos amarradas ao “sistema”, seja lá isso o que for, o quinteto arrasa, e faz o maior sucesso.
Talvez porque outra de suas características tenha sido, sempre, não limitar apresentações a espaços pré-determinados. O Villa-Lobos vai, literalmente, aonde o povo está: toca em teatros e salas de concertos, mas também em igrejas, hospitais, escolas, estádios e lonas culturais onde a temperatura, não raro, ultrapassa os quarenta graus. E isso sem exigir água mineral finlandesa ou toalhas de algodão egípcio.
-- Nós já tocamos no meio da floresta amazônica, em Laranjal do Jarí, -- diz o Justi. – Para chegar lá, você pega um aviãozinho, desce numa pista de terra, pega uma caminhonete, pega um barco, atravessa o Jarí e, finalmente, chega numa cidade de pau a pique cuja rua principal segue ondeando pela margem do Rio. Foi lá, aliás, que ouvi o maior elogio da minha vida. Uma senhora muito simplesinha, que mora num buraco no meio do mato, veio conversar comigo e com o Aloysio e disse, com lágrimas nos olhos, que só podíamos ser anjos vindos do céu para tocar algo tão bonito para eles! E olha que era Villa-Lobos que tínhamos acabado de tocar. Encontramos também tantos jovens talentosos mas sem recursos, que vêm ter conosco depois do concerto, com aquela cara de quem não sabe o que fazer, querendo descobrir onde estudar música. Corta o coração. Para não ir muito longe, o Rio tem algum conservatório que dê conta disso? Tem alguém preocupado com o ensino de música? Nós procuramos fazer nossa parte, como o beija-flor tentando apagar o incêndio na floresta com um pingo de água. Mas quem é que vai dar conta dessa queimada toda?!
(O Globo, Segundo Caderno, 22.5.2008)
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