8.1.08

Matilda vai ao hospital

Foi assim:
"Bom dia!

E... eu não fiz o exame, os papéis estavam errados, não erro meu, dos outros.

Acordei agoniada, claro, depois de uma noite terrivelmente quente, ar abafado e tudo nublado do lado de fora da janela, noite quente, quente, já que não tenho ar-condicionado por causa da conta de luz e detesto ventiladores, em noites quentes é mesmo banho frio antes de dormir e janelas abertas, acordando toda hora, mas é verão, verões são mesmo assim...

E nem era ainda seis da manhã e o termômetro em frente ao shopping do bairro marcava trinta graus, beirada de rio é fogo, quente mesmo, vocês pensam que é só Paris, Londres, Lisboa que ficam na beirada de rios? A Bolandeira também, ora, a Bolandeira também é chique e o Rio das Pedras é mais lindo que o Tejo porque é o rio da minha aldeia, sem dúvida!

E lá fui eu para o meu infortúnio com cara de quem ia para o próprio velório, sou dramática, não faço por menos, chego antes das seis e a ficha já é cento e dezoito, até aí tudo bem, levei Fernando Pessoa para ler, mais neurótico e reclamador que eu, Fernando Pessoa sempre me faz bem, é gostoso de ler.

Na minha vez a atendente, 'gerundiando' ao extremo, ia estar verificando os papéis e estar pedindo a autorização, confirmando com o plano de saúde os tais CIDs e tal e coisa, ela ia estar me chamando novamente breve, enquanto eu ia estar aguardando sentadinha lendo Pessoa, mas... mais breve que eu esperava ela ia estar retornando a chamada do meu santo nome, só que em vão, o tal CID não conferia, o tal exame já tinha sido cobrado duas vezes por umas outras clinicas onde fui fazer o exame e, como não anestesiavam, não fiz o tal exame, repito: eu não fiz o exame nenhuma dessas duas vezes, marquei e não fiz por falta de anestesista, mas cobraram do plano e três exames seguidos exatamente iguais o plano não paga, tem que ter uma explicação detalhada agora de porque fiz os exames que não fiz, ó Céus, voltei para casa, chamei um táxi que parou lá longe, na portaria, andei um bocado, ainda atordoada com tudo isso, saí do Pau da Lima (o nome é esse mesmo, o bairro onde fica o hospital se chama Pau da Lima) e voltei para a Bolandeira, peguei o engarrafamento da Paralela no rush matutino, o termômetro do shopping marcava trinta e dois graus quando adentrei o bairro, o céu continuava chumbo, o elevador do prédio estava em reparos, a obra do vizinho de cima continua lindamente a martelar o juízo dos vizinhos, o computador não ligou (em dias muito úmidos ele não liga mesmo, só acorda mais tarde, não adianta, é preguiçoso), o café já estava frio, fiz outro, retornei as ligações de solidariedade que estavam na caixa, contei toda a história diversas vezes, molhei as plantas sedentas.

E ainda não acredito que cobraram mesmo, agora vou ter que voltar lá, fazer 'descobrarem', marcar tudo de novo, sofrer por antecipação uma noite inteira novamente, enfim, a vida é bela, a flor do campo é singela, etc e etc...

Enfim, minha vida é um palco iluminado..." Matilda Penna

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