14.6.07

Moda, agora, só daqui a seis meses

A Fashion Rio acabou na sexta passada, mas deixou, no seu rastro, alguns mistérios que venho notando há algumas edições, para não falar na quantidade habitual de fofocas e historinhas. O que mais me intriga, de longe, é a aparente incompatibilidade entre o povo literalmente fino que circula na área e os comes e bebes servidos nos HCs (lembram? de Hospitality Centers, antigamente conhecidos por lounges).

Por onde se olhe, há balinhas, castanhas, chocolates. No cardápio do Aprazível, que fazia grande sucesso no Ela, brilhavam o pão-de-queijo recheado de linguiça e uma mousse de chocolate campeã; nas Havaianas, amendoins e jujubas a granel; na Firjan, mais amendoim (e a pele?), paçoca e outras bombas calóricas. Na Oi, a pedida era sorvete Häagen-Dazs -- e de macadâmia, ainda por cima, coisa para 800 calorias por colherada. Enquanto isso, rapazes e moças circulavam pela Marina como vendedores ambulantes, para demonstrar a tecnologia do Oi Paggo, através da qual o celular funciona como uma espécie de cartão de crédito. O que vendiam eles? Um pé-de-moleque para quem adivinhar.

Tudo, naturalmente, acompanhado de refrigerantes (e a celulite?), cerveja, prosecco, coquetéis, energéticos (112 calorias a latinha!). Não vi uma única folha de alface, nem que fosse como enfeite.

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Como toda convenção, a Fashion Rio é uma festa de brindes. Os expositores distribuem bloquinhos, canetas, camisetas, havaianas, produtos de beleza e bolsas, muitas bolsas. O filé mignon destina-se, lógico, às celebridades: são aqueles tesouros em edição limitada, guardados a sete chaves e passados aos presenteados discretamente, para evitar ciumeiras.

Mas enquanto os mortais comuns circulam carregados de sacolas, as celebridades andam livres, leves e soltas. A gente olha e pensa, "Caramba, que criatura espiritualmente desenvolvida! Que extraordinário desapego dos bens materiais...!" — mas é só impressão. Descobri que, por trás de toda celebridade de mãos abanando, há um motorista que vai e vem, levando os troféus para o carro.

Reside aí, aliás, uma grande oportunidade de negócios para qualquer pessoa empreendedora: quem montar um guarda-volumes na Fashion Rio vai ficar rico, com certeza. Os jornalistas e produtores de publicações com estandes na feira ainda têm espaços mais ou menos seguros para deixar as coisas, mas os menos afortunados, que são maioria, atravessam os dias como camelos exaustos, carregados de cacarecos.

Qualquer distração pode ser fatal. Uma conhecida consultora de moda virou para o lado um instantinho durante um desfile e, quando percebeu, o brinde que lhe cabia sumira, sem deixar vestígios.

Além dos mãos-leves de costume, este ano a Fashion Rio foi assombrada por gangues de ladrões de brindes. Nos assentos da primeira fila há, em geral, lembrancinhas para vips e jornalistas. Pois estava um produtor posto em sossego no seu canto privilegiado quando percebeu três camaradas faceiros passarem rápidos pelo corredor, recolhendo os mimos disfarçadamente. Deu o alerta, e das mochilas revistadas saltaram dúzias de sacolas, blocos e produtos Nívea. Tsk.

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Antes de cada desfile, são projetados filmes publicitários dos patrocinadores. Imaginem o que é assistir aos mesmos filmes, seis vezes por dia, a semana inteira! No fim do primeiro dia, já não há jornalista que não esteja roído de ódio daquilo. Os organizadores argumentam que este é o momento em que as marcas dos patrocinadores são vistas, e que, com exceção do povo da moda e dos jornalistas, o público que assiste aos vários desfiles não é o mesmo.

Ora, acontece que, se entendi corretamente a dinâmica da coisa, os desfiles são feitos exatamente para os jornalistas e para o povo da moda! Por que não rolar os filmes enquanto as pessoas estão se sentando? Ou por que não fazer convênio com um curso de cinema e convidar os alunos a inventarem mensagens diferentes para cada desfile? Do jeito que está, eles são a anti-publicidade por excelência, tremendos gols contra.

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Vi um grupo de modelos com a maquiagem do desfile na fila do taxi, e perguntei a um amigo porque elas não limpam a cara antes de sair, como faz o pessoal do teatro.

-- Está louca?! Sabe quanto vale cada make desses?! Isso foi feito pelos maiores nomes da área. O que elas vão fazer agora é ir para casa ou para o hotel, pôr um saco plástico na cabeça, tomar banho com muito cuidado para não perder o make, e voar para as festas. E vão arrasar, com esse look.

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Para continuar no assunto, a dica de hoje é "O diabo veste Prada"; não o livro, vingativo e completamente destituído de senso de humor, uma verdadeira perda de tempo, mas o filme, agora em DVD. Não sou grande fã de Meryl Streep, mas a sua Miranda Priestly, poderosa editora de moda de uma grande revista, é simplesmente perfeita. O filme tem tudo o que falta ao livro -- é leve, divertido, cheio de ironia. Poucas vezes vi um limão transformado em limonada tão saborosa.

(O Globo, Segundo Caderno, 14.6.2007)

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