As Bestas da Barra e sua "diversão" sinistra
A sociedade deve um abraço apertadoe um sincero pedido de desculpas a Sirley Dias
Não gosto de futebol, mas entendo perfeitamente que milhões de pessoas achem muito divertido ir aos estádios ou sentar em frente à televisão para acompanhar jogos e campeonatos. Também detesto escalada, mas não é difícil imaginar por que tanta gente se diverte escalando; ou fazendo crochê, ou participando de maratonas, ou jogando sudoku, ou indo a bingos, ou se jogando em raves, ou curtindo tantas outras atividades que não chegam a se enquadrar no meu conceito de diversão. Mas, por mais esforço que faça, não consigo -- mas não consigo mesmo -- imaginar como alguém se diverte massacrando outro ser vivo.
Tenho pensado nisso desde que li que cinco criaturas, supostamente humanas, pararam o carro num ponto de ônibus para agredir uma mulher indefesa, a quem não conheciam e que não lhes tinha feito qualquer mal, apenas para se divertir; nem percebo o que há de tão engraçado na cena para que o inocente do grupo tente escapar à punição que merece alegando que chutar não chutou, apenas ficou de lado, confessadamente "rindo e debochando".
Pergunto: isso é uma reação normal? Ou eu é que vivo num outro mundo, e não estou acompanhando os novos tempos? É engraçado ver uma mulher, humilde ainda por cima, apanhando, desesperada, de quatro marmanjos?! É divertido chutar alguém? É bom causar sofrimento? Distrai? Relaxa? De onde vem o barato, dos gritos da vítima ou dos pés que deformam o rosto?
A impunidade, essa praga que sufoca o país, tem sua parte na história, mas não lhe muda a essência. Não é porque "não vai acontecer nada" que alguém tem prazer em espancar uma criatura mais fraca; é porque não guarda mais qualquer vestígio de bons sentimentos, qualquer sinal de compaixão, qualquer capacidade de se pôr no lugar do outro. A cadeia, num caso desses, serve para proteger a sociedade de indivíduos que, obviamente, não estão preparados para conviver com os demais; mas não os protege de si mesmos, ou do seu fracasso como seres humanos.
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Deu no jornal: o padrasto de Felippe de Macedo Nery Neto declarou ao delegado que o enteado ganhara o carro usado pelo grupo dois dias antes. Declarou também que ele sofre de déficit de atenção e hiperatividade, seja isso o que for, e que toma dois remédios de venda controlada, como se fosse alguma espécie de atenuante. Não é. Todos conhecemos pessoas que tomam medicamentos de venda controlada, e que nem por isso saem por aí atacando desconhecidos. Por outro lado, se a moléstia dessa besta é tão incapacitante, que se aplique punição também a quem a deixa solta e, ainda por cima, lhe põe um carro nas mãos.Felippe, vale lembrar, foi o mancebo que declarou à polícia ter confundido Sirley com uma prostituta -- exatamente como Tomaz de Oliveira, Max Rogério Alves, Eron Chaves Oliveira e Antônio Novely Cardoso de Vilanova, que há dez anos atearam fogo ao índio Galdino e, em sua defesa, alegaram tê-lo confundido com um mendigo.
Aliás, quanto mais os pais dos agressores se manifestam, mais clara fica a origem do comportamento dos monstros que criaram. No mesmo jornal que trazia o depoimento do padrasto de Felippe, Ludovico Ramalho, pai de Rubens Arruda, fazia um retrato falado da decomposição social do país:
-- Queria dizer à sociedade que nós, pais, não temos culpa. Mas não é justo manter presas crianças que estão na faculdade, estão estudando, trabalham. Não concordo com a prisão na Polinter, ao lado de bandidos. Vão acabar com a vida deles. Peço ao juiz que dê uma chance aos nossos filhos.
Depois, explicou que Sirley estava cheia de hematomas por ser mulher, e "ficar roxa com apenas uma encostada". Suponho que ele tenha dado muitas encostadas em mulheres para falar com tal conhecimento de causa.
Sinceramente? Tenho pena dos bandidos da Polinter, que serão obrigados a conviver com essas "crianças", esses mauricinhos psicopatas que se consideram tão superiores.
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O que aconteceu com Sirley não foi uma atrocidade ocasional. Empregadas que têm a infelicidade de esperar condução no horário em que rubens e felippes voltam das noitadas são invariavelmente humilhadas por esses cretinos motorizados, que diminuem a velocidade das máquinas quando passam pelos pontos de ônibus:-- Vai trabalhar, paraíba! -- gritam os inúteis. -- Tem que ralar mesmo, mocréia!
Como em geral fica só por isso, elas engolem a mágoa e não dizem nada. Quando dizem, revelam-se acostumadas, como se fosse possível a alguém acostumar-se à maldade e ao preconceito.
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Quanto a eles, aposto que têm, todos, um futuro brilhante: a política os aguarda de braços abertos. No Congresso Nacional, há lugar de sobra para gente com os antecedentes de Rubens Arruda, Felippe de Macedo Nery Neto, Leonardo Andrade e Júlio Junqueira.Guardem esses nomes!
(O Globo, Segundo Caderno, 28.6.2007)
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