7.6.07



A arte que se veste

Na onda da Fashion Rio, mais um pouco de moda


Ando um fracasso como fashionista. Pela terceira vez a Fashion Rio acontece na Marina da Glória, e só comecei a desconfiar disso semana passada quando, além de receber convites para desfiles lá, soube que o lounge do Ela teria temas náuticos. Sou distraída, mas às vezes as evidências são tão gritantes que não consigo ignorá-las; até porque, domingo passado, participei de uma feira de livros infantis no MAM, e não vi nada sequer remotamente relacionado à moda no local.

Não que eu não tenha tido vontade de ir às duas últimas edições, pelo contrário; hoje a Fashion Rio está entre os meus programas favoritos. É só que, às vezes, a tecnologia e a, digamos, "vida normal", me levam para cantos diferentes. Assim, já na segunda, lá estava eu, conferindo as novidades. A nova locação é um achado. Não tem o charme do MAM, mas tem muito mais espaço, um visual igualmente deslumbrante e, maravilha das maravilhas, áreas de lazer que debruçam-se diretamente sobre a água.

Mas, no mundo da moda, ninguém passa duas temporadas ao largo impunemente. À minha volta, todo mundo estava constantemente indo, vindo ou marcando encontro em algum "HC". O que raios seria um "HC"? Ora, um "HC" é um Hospitality Center, nome pelo qual atendem atualmente os lounges. Quem me explicou o significado da misteriosa sigla foi Fernando Molinari, meu anjo-da-guarda fashion. Pronto! Agora estou preparada até a próxima troca de nomes.

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Como vocês devem ter notado, ando cismada com roupas. O fato da moda estar temporariamente a favor das imperfeitas tem muito a ver com isso, é lógico, porque me fez fazer mais compras nos últimos três meses do que num ano inteiro. Acho que o mais importante, no entanto, é a transformação radical da minha relação com a moda -- e que, invariavelmente, me volta à cabeça sempre que a cidade vive o frisson da Fashion Rio.

Já escrevi sobre isso algumas vezes e, provavelmente, ainda vou voltar ao assunto outras tantas; o problema é que ainda me espanto com o tempo e as alegrias que perdi por puro preconceito. Como me interessar por reles cascas, quando o importante é o que se cultiva na cabeça e o que se leva na alma? Ao corpo, necessário para transportar o cérebro e o coração de um lado para outro, bastavam roupas limpas e sem grandes frescuras; inclusive, nos melhores momentos, roupas nenhumas.

Não me ocorria que a moda pode ser uma manifestação de arte tão interessante quanto outra qualquer, a legítima forma de expressão de artistas que, em vez de pendurar as obras nas parede, ou plantá-las como esculturas, preferem vê-las em movimento, soltas no mundo. Além disso, naquela minha cabeça 8 ou 80, eu também não me dava conta de que apreciar moda não significava necessariamente usá-la.

* * *

Continuo me vestindo mais ou menos como sempre, mas hoje sei que uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa (oh!); na mesma linha, percebo que uma coisa é a moda, outra o mundo que a cerca. Este mundo, frívolo por excelência, obscurece a arte em torno da qual gravita, o trabalho pesado, a criatividade, a inteligência, a espetacular indústria que se renova dos pés à cabeça a cada estação, sem tempo para respirar.

Penso que essa frivolidade tem sua razão de ser. Para muita gente, é uma válvula de escape, uma realidade paralela que ajuda a tocar a vida. Na verdade, se não tivesse sido tão preconceituosa, poderia ter descoberto isso há vinte anos, quando comecei a freqüentar feiras de tecnologia nos Estados Unidos.

Lá, eu passava dias a fio em torno de processadores, aplicativos e sistemas operacionais, cercada de nerds iguais a mim por todos os lados. Terminada a feira, corria para a primeira loja de departamentos e detonava pequenas fortunas em cosméticos. Fazia isso sempre, sistematicamente. Considerando os preços lá e cá, essa nem seria uma atitude tão descabida -- se eu usasse aquilo!

Levei um tempão para me dar conta de que as embalagens lindinhas e perfumadas eram o antídoto de que eu precisava contra a pressão e o tempo de imersão no universo essencialmente masculino da informática. Meu lado mulherzinha, reprimido nos simpósios e nos estandes, se soltava no hotel, quando eu tirava os ricos tesouros das caixinhas e os admirava, um a um, amorosamente.

Voltando para casa, a alma se equilibrava de novo, e todos os batons, sombras e cremes iam para a gaveta, onde permaneciam, intocados, até a chegada da próxima leva. Futilidade? Com certeza -- mas não me arrependo de um rímel sequer.

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No Salão do Livro para Crianças e Jovens, onde relancei "Uma ilha lá longe", fábula ecológica que completa exatos 20 anos, descobri, com certo atraso, um livro que é uma belezinha, e que tem tudo a ver com a temporada. Chama-se "Moda, uma história para crianças", foi escrito por Kátia Canton e extraordinariamente realizado por Luciana Schiller, para a Cosanaify.

Mais do que história, ele é, no fundo, uma explicação do que é a moda, com pequenas referências históricas que situam as relações entre humanos e vestimentas. De quebra, é um objeto maravilhoso, que vem com sua própria sacolinha de pano para ser carregado de um lado para outro.

Esta menina aqui está apaixonada pelas suas páginas coloridas e seu jeito de scrapbook, e não hesita em recomendá-lo para as amigas.

(O Globo, Segundo Caderno, 7.6.2007)

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