Há mais coisas no ar além dos aviões de carreira
Uma das maravilhas da internet é que, reunindo uma quantidade infinita de pessoas, soma uma quantidade igualmente infinita de conhecimento num só lugar. É por isso que eu gosto tanto de projetos como o imdb, que tem tudo sobre todos os filmes e começou como um modesto banco de dados da universidade de Cardiff, o Foldoc, ou a Wikipedia.Mesmo aqui no blog, minúscula gota d´água no oceano da rede, temos especialistas em tudo: ainda está para aparecer pergunta que fique sem resposta. Agora mesmo, o nosso Wilson Cavalcanti, piloto de larga experiência, acaba de escrever um comentário excelente, sobre a greve dos controladores de vôo.
Espero que a Laura, que está presa no aeroporto de Brasília há quatro horas, esperando o vôo que não sai, só leia isso quando voltar para casa... ;-)
"Controlador de tráfego aéreo é profissão submetida a estresse contínuo, pois o sujeito controla ao mesmo tempo vários aviões, várias vidas. Uma orientação errada, um vacilo e ele pode causar uma tragédia prejudicando a muita gente que confia (até sem saber) em seu trabalho.
Mas eles são assistidos por muita tecnologia, de forma que não acho que seja algo mais estressante do que, digamos, um plantão médico em um pronto-socorro como o Souza Aguiar aí no Rio.
O problema que somente agora veio à tona -- e que, concordo, aumenta as suspeitas de alguma influência do nosso controle de tráfego aéreo no acidente da Gol -? se deve muito mais a cortes de investimentos (os tais "contingenciamentos") que foram tornados evidentes ao se reverem as atas do Conselho Nacional de Aviação Civil quando ainda era ministro da Defesa o José Viegas.
Vários alertas foram feitos.
Só existem duas escolas de qualificação de controladores no Brasil, uma em Guaratinguetá, SP (militar) e outra aqui onde moro, São José dos Campos, SP, este sendo um instituto que admite civis e militares e promove reciclagens de pessoal, além de servir de base tecnológica para o chamado "serviço de proteção ao vôo", que engloba tudo o que se chama em geral de "controle". Portanto, a formação de controladores é limitada e tem de ser bem equacionada, para assegurar a existência de uma quantidade mínima em atividade. Não se repõem controladores de uma hora para outra.
Mas vejam bem: os controladores são a "ponta da linha" do sistema, imaginem tudo o mais que está por trás: radares, sistemas de comunicação, computadores, formação contínua de todo o pessoal, etc. São a ponta que somente agora está visível ao grande público. Nos anos (19)70, por diversas razões, entre as quais a economia de escala e a defesa aérea nacional, o nosso país optou por um modelo híbrido de controle de tráfego aéreo, que serve tanto às Forças Armadas como à aviação comercial. Esta nunca foi "onerada" pelo fato de os militares estarem a controlar o espaço aéreo. Mais recentemente, algumas funções menores do sistema foram passadas à Infraero (uma empresa estatal), mas o núcleo principal, onde está de fato o coração do sistema, é ainda da Aeronáutica.
Tudo funcionou sempre muito bem (eu sou piloto militar da reserva e fui examinador de pilotos do antigo DAC, portanto, fui um usuário do sistema) e a deterioração, ao que sei, vem acontecendo desde o governo Collor, coincidentemente a partir de quando se passou a considerar "desprezível" tudo o que se relaciona ao Serviço Público (civil e militar).
Há algum tempo troquei idéias com alguém aqui neste blog sobre este tema, o serviço público, defendíamos seriamente a sua revalorização. Pois bem, assim como os hospitais públicos sofrem hoje com falta de pessoal, equipamentos desatualizados e mal mantidos, podem todos fazer uma analogia e transplantar tudo o que todos conhecem sobre esse desmantelamento do serviço público para essa área que poucos ainda conhecem, o sistema de controle do espaço aéreo brasileiro.
Saibam que nessa área o Brasil, como todos os demais países do mundo, é constantemente auditado por diversos organismos internacionais (em especial a Federal Aviation Agency dos EUA) e quando as coisas não vão bem em algum país, este é "rebaixado" nos rankings, sofrendo restrições sérias. Sempre tivemos grau máximo e se as coisas agora não vão bem (o que poderá levar a algum rebaixamento nessas auditorias), acho que o problema não é dos técnicos nem do fato de ser a Aeronáutica a controlar esse sistema.
Essas queixas dos controladores civis contra os militares me parecem muito mais "ajustes de contas" pessoais, e em qualquer país sério não seriam levadas em conta. Se a decisão for por tornar civil todo o sistema, a conta será alta. E essa decisão tem de ser embasada em critérios amplos, não essas queixinhas de (alguns) controladores.
O problema está certamente na área financeira do nosso governo federal, que ultimamente tem tido a obsessão de pagar as contas externas em detrimento dos problemas internos.
O meu candidato derrotado, Geraldo Alckmin, falou muito sobre isto na campanha, o povão fez vista grossa. Lamentavelmente, o povão somente agora começava a viajar de avião, com o aparecimento das empresas "low cost" (BRA / Gol)... E, mais lamentavelmente, os controladores somente fizeram a sua greve tartaruga após as eleições..." (Wilson Cavalcanti)
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