Os dias lindos e a banda
malsã do paraíso
Considerações sobre a vida, as mutretas daprefeitura e a Daspu, uma grife bacana
Na ponta das minhas pedaladas em Berlim, há alguns meses, sobraram duas semanas de férias. Há 14 dias, elas me pareciam um verdadeiro latifúndio calendário: quantas coisas eu não faria, quantas fotos, quantas caminhadas! Hoje, a impressão é que mal pude me espichar na rede e abrir um livro; aquele tempo aparentemente enorme acabou reduzido a um simples piscar de olhos.
Desta vez, fui pouco original nos meus rumos. Escolhi uma cidade de cartão postal, que para meio mundo é sinônimo de praia e de aventura; um lugar lindo mesmo quando chove, com tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo que é impossível ficar em dia com o que está no ar, quanto mais manter a agenda atualizada.
Na minha janela, uma das paisagens mais emocionantes do planeta; do outro lado da rua, um deslumbrante espelho d'água, cercado de árvores, com uma quantidade de pássaros fazendo algazarra ao entardecer. E tudo isso a um preço bastante convidativo: passei duas semanas em casa.
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Muitas coisas aconteceram durante as minhas férias, de shows de rock à inauguração da árvore da Lagoa -- que, para mim, a cada ano fica mais bonita. Sou fã da árvore e até da confusão que faz à minha porta: acho que vale ficar um mês sem pedalar pela Lagoa para ver tanta gente contente, que vem de longe e transforma a visita a este peculiar arranjo de luzes num passeio digno de registro.Tanto assim que, mal foi inaugurada, já perdi a conta do número de namorados e de famílias que, vendo-me por ali de câmera em punho, me estenderam suas máquinas, pedindo que, por favor, lhes sacasse uma foto. Pelas minhas mãos passaram, nos últimos dias, digitais de todos os tipos e feitios, das mais simplinhas a modelos que eu ainda não conhecia; passaram celulares, xeretas descartáveis e até algumas máquinas 35mm, de filme, que nem sei mais usar.
Em cada uma registrei, em primeiro plano, pessoas sorridentes, alegres com o simples fato de terem visto uma árvore iluminada flutuando na água.
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Dei sorte: peguei dias radiantes, daqueles em que o Rio chega a doer de tão bonito. Não pela boniteza, naturalmente, mas por sabermos o quanto de mal se esconde por trás do cenário deslumbrante. É a dor do paraíso perdido, da cidade assassinada, do coração partido.Num desses dias, o poeta Geraldinho Carneiro, meu irmão querido, telefonou:
-- Pare qualquer coisa que esteja fazendo e vá imediatamente olhar o pôr-do-sol!
-- Carneirinho, sabe o que estou fazendo? Estou fotografando. O pôr-do-sol.
E estava mesmo. Vinha pela Visconde de Pirajá quando o dia me empurrou para a praia. A luz, o brilho, o cheiro da maresia: não dava para resistir. E lá fui eu, feito uma gringa, de bolsa a tiracolo, calça enrolada e sandália na mão, meter os pés na areia e na água, embevecida com o sol que se punha atrás dos Dois Irmãos. Contrariando os conselhos do meu mestre Flávio Damm, que recomenda que não se vá sequer a missas de sétimo dia sem levar a câmera, a máquina ficara em casa; mas é para momentos assim que existem os celulares turbinados.
Fiz várias fotos e continuei pela praia até Ipanema. Já no calçadão sacudi a areia, calcei as sandálias e voltei para casa, morta de paixão pela minha cidade e de ódio pelos seus governantes ineptos e canalhas, incapazes de perceber a grandeza e a fragilidade do tesouro que lhes foi confiado.
Na noite daquele mesmo dia, o ônibus 350 seria incendiado.
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Enquanto isso, de São Paulo, vem a prova de que este país anda mesmo de pernas pro ar. Os advogados da Daslu, aquela loja para deslumbrados egocêntricos, que faz contrabando e sonega impostos em larga escala, teve a audácia de mandar uma notificação para a Daspu, pequena firma de moças pobres e trabalhadoras, para que desistam da marca.A Daspu, vocês sabem, é das putas: foi criada pela ONG Davida, que luta para dar dignidade e apoio a mulheres que, no fundo, não ganham a vida de forma tão diferente assim de boa parte da clientela da Daslu.
Pois querem saber? Eu, que morreria de vergonha de usar uma roupa Daslu, estou com a Daspu e não abro. Vão em frente, meninas, vocês, sim, são guerreiras!
Boa sorte, e todo o meu carinho.
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Curiosa esta CPI que vai investigar as relações espúrias entre o senhor Victor Fasano e o nosso dinheiro, não? Aberta por um deputado do PFL, numa casa presidida pelo PFL,tem cara de pizza, forma de pizza, cheiro de pizza. Imagino o raciocínio dos pizzaiolos:-- Melhor abrir logo uma CPI antes que alguém realmente disposto a apurar os fatos o faça... A gente enrola, faz umas audienciazinhas meia-bomba e sossega aqueles malucos que gostam de bicho. Para não falar nos otários que pagam imposto e que votam ano que vem...
(O Globo, Segundo Caderno, 8.12.2005)
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