The play is the thing
Bom, a peça. Macksen Luiz, crítico do JB e amigo queridíssimo, me agarrou pelo braço, logo na entrada:-- O que é que você está fazendo AQUI?! Numa peça IRANIANA?! Aí tem coisa. Você tem algum propósito oculto.
Gente que conhece a gente há mais de 20 anos não dá para tapear. Eu não podia dizer que estava lá, por exemplo, porque nada no mundo me fascina tanto quanto o teatro iraniano; ou porque a diversidade cultural do mundo me atrai como um ímã para festivais de teatro; ou, sequer, que já tinha ouvido falar muito da peça e estava morrendo de curiosidade.
Confessei, então, que estava lá com segundas intenções. Macksen deu um suspiro de alívio -- nós temos um pacto: se algum dia um pegar o outro fazendo coisas malucas, ridículas além do limite ou absolutamente incompreensíveis, está plenamente autorizado a interná-lo -- as luzes se apagaram e...
Continuaram apagadas.
E permaneceram apagadas.
E assim ficaram por um tempo indefinido, enquanto uma voz falava alguma coisa incompreensível a respeito de números. Em iraniano, claro.
Havia legendas, projetadas na parede de um e de outro lado do teatro. Infelizmente estavam fora de foco e eram atravessadas pela luz dos spots, o que as tornava ilegíveis.
Isso, é claro, dava um bom espaço para que a gente pudesse pensar e fazer descobertas. Por exemplo: eu me dei conta de que o fuso-horário iraniano é diferente do brasileiro. Um tempo que para nós equivale, digamos, a dez minutos, para eles equivale a um.
Assim, quando a gente tem a sensação de que meia-hora se passou, se olhar para o relógio verá que, na verdade, apenas três minutos transcorreram.
Enfim, ao fim de um tempo incalculável, as luzes se acendem. Há uma mesa comprida em cena. Copos e uma atriz numa ponta, sapatos e um ator na outra. A atriz dança sobre os copos. É aflitivamente magra. O homem calça os sapatos.
Jogam um jogo de números. Ele vai dizendo um monte de números e ela vai dizendo "passo". Isso eu sei porque, nesse trecho, consegui ler as legendas.
Continuam falando, falando, falando. Sentados, cada qual na sua cadeira.
Ela chora.
Ele fica de pé.
As luzes se apagam. A voz em off fala mais um tanto.
A essa altura, transcorridas quatro horas, passaram-se 70 minutos.
A peça acaba.
O público aplaude. De pé, porque está louco para fugir do teatro.
The end.
(Já já eu explico tudo, inclusive o que a gente estava fazendo lá)
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