27.10.05

Papo de hotel





Cá estou eu, de volta ao meu hotelzinho triste. Não é um mau hotel, mas jamais inspiraria um poema como "A um hotel em demolição", um dos meus Drummonds favoritos, que começa
Vai, Hotel Avenida, vai convocar teus hóspedes no plano de uma outra vida.
Eras vasto, vermelho, em cada quarto havias um ardiloso espelho
e mais não sei, porque cito de cor e não consegui achar o poema na rede; mas não, ninguém jamais escreverá um "Vai, Hotel Íbis, vai convocar teus hóspedes..."

No way.

Enfim, vocês ficaram naquele papo de hotel lá embaixo e acabei me lembrando de uma viagem que fiz à Inglaterra, há tanto tempo que equivale a outra encarnação, e de uma estalagem onde havia um quarto mal-assombrado.

Quem conseguisse passar a noite lá dormia de graça.

Ninguém do grupo se aventurou mas eu, naturalmente, que não acredito nessas coisas, topei a parada. Quarto mal-assombrado, ha...

A estalagem era antiquíssima, uma das primeiras do país, e uma das mais bem conceituadas. Os quartos vinham sendo reformados com capricho desde a invasão normanda, ou coisa que o valha -- menos, naturalmente, o tal quarto que diziam mal-assombrado.

Pelo menos, foi essa a impressão que tive quando o porteiro me levou até lá.

-- Hmmm, tá, um trem-fantasma de época, -- pensei com meus botões, vendo os móveis pesados, a lâmpada de 25 velas, a pele de urso no chão. -- Nessa não caio.

Estava cansadíssima e caí sim, mas na cama. Pelo sim pelo não deixei a luz acessa; pelo tanto que "iluminava", não fazia a mínima diferença. Li um pouco, virei pro lado e tentei dormir. Estava frio às pampas, mas o edredon era bom e eu estava bem agasalhada.

Bom.

Vocês acreditam que não consegui dormir?! Na verdade, sequer consegui ficar no quarto. Não havia barulho de correntes se arrastando nem golpes de ar encanado, gargalhadas sinistras ou luzes bruxoleantes -- nada, enfim, daquelas coisas que a gente associa a fantasmas. Mas o diabo daquele quarto tinha, sem sombra de dúvida, a pior vibração que já experimentei na vida.

Brrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr!

No começo, fiquei com raiva de mim mesma, achando que estava me deixando influenciar pelo folclore da casa. Espantei os pensamentos malsãos da cabeça, li mais um pouco -- mas a angústia indefinida e secular que ocupava o espaço era muito mais forte do que o meu ceticismo.

Não cheguei a sair correndo porque, ora, tenho o meu orgulho, mas, lá pelas tantas, catei meus teréns e, de orelhas murchas e rabo entre as pernas, fui para a recepção pedir outro quarto.

O porteiro, que já contava com a minha desistência, tinha um prontinho me esperando. Não muito mais bem iluminado do que outro, não muito diferente em termos de decoração, mas... juro, normal.

Dormi feito uma pedra envergonhada e, no dia seguinte, fui alvo da gozação dos meus colegas. Até hoje não sei o que havia de errado com o quarto, que revirei todo e que parecia perfeitamente comum.

Pena que não me lembro mais do nome da estalagem. Eu achava que era The Feathers, em Ludlow, um dos hotéis mais antigos em que me hospedei, mas no seu website não há referências ao quarto mal-assombrado -- e não acredito que abrissem mão deste privilégio.

Afinal, na Inglaterra, um quarto mal-assombrado vale mais do que uma boa recomendação do Michelin.

Tudo bem, um dia eu lembro.

Durmam bem!

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