22.10.05



Uma opinião bem explicada

Acabo de receber este email do Marcos Martins, lá no jornal:
Pessoal, somente esta semana fiz minha cabeça sobre o referendo. Sou contra as armas. Nem mesmo quando penso em defesa pessoal ou de patrimônio, consigo ver as armas como definitivamente úteis, pois não consigo concluir se a posse de uma arma num momento crítico defende ou expõe mais ao risco a vida do "defendido".

A arma pode ajudar se estiver na mão de uma pessoa preparada para usá-la, mas vai piorar muito as coisas nas mãos de uma pessoa despreparada, seja física, técnica ou psicológiamente.

Entendo portantoque existem diversas situações particulares, tornando-se difícil aplicar uma regra geral e única. Aliás, as margens apertadas que estão sendo divulgadas pelos institutos de pesquisa refletem esse equilíbrio de prós e contras.

Mas não me permito o direito de acreditar que o SIM -- a proibição do comércio legal de armas -- vai tirar as armas de circulação. Precisamos ser realistas. Essa divisão quase que perfeita da opinião pública nos indica que muita gente "de bem" entende que deve/precisa/tem-que-ter uma arma.

Então, além da demanda dos bandidos, muita gente de bem vai continuar a comprar armas, mesmo com a proibição. A decisão de comprar uma arma não obedece a um impulso consumista, ditado por moda, mas sim a um instinto primitivo de auto defesa e sobrevivência.

Qual a efetividade da proibição do comércio legal na redução da quantidade de armas em circulação? Pouca ou nenhuma. Veja o exemplo das drogas: o comércio legal de cocaína é proibido, mas ela é largamente ofertada pelo mundo afora, através de sofisticados esquemas de distribuição operados por organizações criminosas, verdadeiros "impérios do mal" fortemente armados, com um poderio bélico de fazer inveja aos exércitos de muitos países e que desafiam o poder público em muitos deles.

Temos hoje vários países reféns dessas organizações criminosas (como a Colômbia) e cidades têm sua vida frequentemente afetada pelas atividades do tráfico (Rio, São Paulo, etc.)

A mesma coisa vai acontecer com as armas. Na verdade pior, pois, ao contrário da cocaína, a produção de armas vai continuar permitida. E aí vai a logística "do mal": essa arma produzida no Brasil vai então ser exportada para algum país com quem temos uma fronteira terrestre (muito) mal vigiada pelas nossas autoridades e voltará clandestinamente para cá, com todos os incentivos fiscais concedidos às exportações (vocês devem conhecer o que acontece com a exportação de cigarro).

Assim, a venda de armas, que hoje em grande parte é feita pelas lojas especializadas -- pagando impostos, gerando empregos formais e, sobretudo, permitindo um rastremento e controle da quantidade vendida -- vai cair totalmente na clandestinidade e ser feita pela "filial" dos traficantes de drogas.

Estes serão fortalecidos pelo aumento do volume do que até então era uma mercadoria secundária (as armas), em perfeita sinergia com a mercadoria principal (a cocaína), diluindo custos fixos e aumentando a margem de contribuição da bandidagem.

Esse comércio ilegal -- que já existe, mas será fortalecido pelo SIM -- vai ser combatido pela polícia, que trocará tiros com os novos traficantes de armas que a vitória do SIM vai criar. Eles matarão gente, entrarão em confronto com gangues rivais em disputa de território, com as quais trocarão mais tiros e matarão mais gente, aliciarão adolescentes -- sim, vão precisar de mais gente, pois os negócios
irão de vento em popa! -- desafiarão ainda mais o poder público, consumirão mais recursos públicos para seu combate, corromperão policiais e juízes, etc. etc. etc.


Portanto, como não quero dar asa a cobra nem botar azeitona na empada de bandido, enfim, como sou contra a bandidagem, como sou contra a violência, como sou contra a corrupção de policiais, como sou contra o fortalecimento de organizações criminosas, como sou contra o aliciamento de menores para o crime...

...meu voto é NÃO.

E você? Pense bem até domingo...
Se alguém acha que nada disso que ele descreveu vai acontecer, boa sorte!

Além da questão ideológica, penso exatamente assim. Acho que a cada porta legal que o governo fecha, abrem-se milhares de janelas na ilegalidade -- que é, ao fim e ao cabo, a origem da grande violência, aquela que desafia o Estado e zomba da nossa cara.

Crimes passionais e acidentes domésticos existem desde o começo dos tempos, e não deixarão de existir. Ao contrário do que pensa o meu cândido e bem-intencionado amigo Luis Garcia, um marido que quer matar a mulher (ou vice-versa) não precisa de revolver na gaveta da mesinha de cabeceira.

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