8.7.05



Tem pai que é cego

A essa altura até as pedras da rua sabem que a Telemar pagou cinco milhões de reais à empresa que, apenas um mês antes, os filhos de Lula e Jacó Bittar haviam fundado.

O capital da empresa, antes do aporte de cinco milhões da Telemar, era de R$ 5,2 milhões.

Pois queria que alguém me explicasse isso: de onde vem este dinheiro?! Como é que uma empresa que não pertence a algum grande conglomerado ou a milionários pode ter um capital deste tamanho?

Digamos: se eu me juntasse a algum amigo e fundasse uma empresa, poderia alegar o capital que quisesse? Poderia criar uma empresa de cinco milhões?

Ainda que isso seja possível, porém, a compra da Telemar é indefensável; a Gamecorp, que se diz produtora de conteúdo para games e TV fechada, havia sido fundada apenas um mês antes, e é uma firma tão marca barbante que não tem sequer webpage.

Alguém concebe isso, uma empresa de games sem presença na web?!

Uma googlada básica no Brasil (no exterior há outras com o mesmo nome) revela apenas 19 referências, mais de metade das quais referência ao escândalo em curso. Entrem Mforma, por outro lado -- uma empresa de games para celulares de verdade -- e encontrarão 66.300 referências.

Tem mais. Qualquer pessoa que conheça um mínimo do mercado de games e de celulares sabe que o que mais existe por aí é startup de fornecedor de conteúdo. As incubadoras das universidades estão cheias de jovens talentosos tentando fazer decolar suas pequenas empresas -- mas, como não são filhos do presidente, na maioria das vezes sequer conseguem mostrar o que estão fazendo às operadoras.

Acontece que o mercado está saturado. A oferta excede em muito a procura, ainda que faltem killer aps e que os grandes sucessos da área sejam variantes da primeira grande leva de games desenvolvidos para PC -- as limitações das telinhas e das teclas é similar às limitações dos monitores e teclados de então.

O que acontece num mercado saturado? Rola pouco dinheiro para desenvolvedores, naturalmente. A área é rica, mas de burra ou ingênua não tem nada. Não há operadoras torrando seus milhões só assim, apostando em talentos ocultos, como faziam os VCs nos tempos da bolha.

Hoje, pelo contrário, anda todo mundo com a carteira fechada e com as barbas de molho.

Exceto, claro, a generosa Telemar, que pelo visto aposta alto em talentos desconhecidos -- e que tem a cara de pau de dizer que não sabia que o Fulano de Tal Lula da Silva (Fábio Luiz, para ser mais precisa) era filho do presidente.

Dito isso, ponham-se no papel do pai amoroso.

Um dia seu filho funda uma empresa com o amigo de infância; tudo perfeito, você acha ótimo -- e, talvez, nem saiba o capital da dita firma, porque tem outras preocupações e porque detalhes assim filhos nem sempre contam pros pais.

Mas, um mes depois, ele faz um negócio de cinco milhões com a Telemar... e não é um disk-droga.

Ora, por mais que você goste do seu filho e ache que ele é um gênio, você vai achar isso normal?! Vai aceitar que cinco milhões caiam no colo do garoto sem quê nem porque?! Vai achar que o mundo das telecomunicações é assim mesmo, uma mina de dinheiro?!

* suspiro *

Ai, que cansaço.

Update: A Veja dessa semana traz uma matéria que explica melhor esta negociata. A coisa é ainda mais esquisita, e em essência é a seguinte: em vez de ser criada com cinco milhões inexistentes, a Gamecorp foi criada com apenas R$ 200 mil inexistentes. Pois aí vai a Telemar e compra, por cinco milhões, uma parceria nesta empresa virgem.

Aos que ainda acham que se trata apenas de duas empresas fazendo business as usual, explico (mas ainda é necessário?!): estaria tudo bem se a Telemar fosse uma empresa de capital 100% privado, e a Gamecorp uma empresa de verdade.

Acontece que há dinheiro do BNDES e dos fundos de pensão no capital da Telemar, ou seja, dinheiro nosso. Quanto à Gamecorp... ah, deixa pra lá.

Quem quiser que acredite no talento prodigioso de seus fundadores.

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