30.1.03



Participação especial da Keaton

Meu lado fashion

Na segunda-feira passada estive em São Paulo, para trabalhar na Fashion Week. Dizendo assim, e lá no Segundo Caderno, parece até a coisa mais normal do mundo -- mas, acreditem, não é, não. Pelo menos não para quem, como eu, é jornalista de informática desde o começo dos tempos. Acontece que ser jornalista de informática não é apenas saber se uma máquina é sexy ou não, ou subir parede de costas quando alguém diz CD-ROOM perto da gente. Na verdade, ser jornalista de informática da versão 1.0 da espécie é todo um estilo de vida, um jeito de ser que os de fora definem como nerd, mas que a gente chama de geek, porque, como diz o Mario AV, "a gente sabe a diferença"; e é, também, ter um guarda-roupa que definitivamente não combina com o mundo lá fora, muito menos com uma Fashion Week.

No planeta geek, usar sandália Birkenstock dia e noite, chova ou faça sol, é mais do que aceitável: há até retratos oficiais de Linus Torvalds, o criador do Linux, de sandália com meia -- tão bonitinho, ele! Na falta de Birkenstocks, ou em feiras onde se andam quilômetros por dia, tênis são aceitos, desde que bem gastos; a idéia básica sendo conforto, e não elegância.

É lógico que quem se desliga de forma tão acintosa da moda está, implicitamente, reconhecendo a sua existência, se não importância. E é lógico, também, que há uma série de recados que os geeks transmitem através das roupas, como qualquer outra tribo. Numa feira de informática, ganha quem estiver com a camiseta mais velha, de preferência de um produto assassinado pela Microsoft.

Há pouco tempo, numa conferência, me virei, realmente emocionada, quando um camarada passou por mim com uma camiseta do Wang Freestyle. Lançado em 1988, ele continua sendo um dos sistemas mais incríveis de que me lembro, ainda que esteja tão morto que mal se encontrem referências a seu respeito na web. Algo me diz que esta camiseta -- ainda que muito bem conservada para um modelito late 80s -- não faria o menor sucesso na Fashion Week.

-- Vá toda de preto, -- me recomendou Monique Duvernois (mulher do Fernando Pedreira), que não só é das pessoas mais bonitas que conheço como, ainda por cima, entende tudo de moda, quero dizer, de elegância.

Tentei obedecer, mas descobri que há um arco-íris em tons de preto no meu armário -- onde nenhuma das camisetas pretas combina com nenhuma das calças idem. No fim fui de jornalista de informática, mesmo, até porque a pauta era conhecer o Dream e o Luminix Fashion, os novos telefones da Samsung. Ah, sim, esqueci de explicar -- não há nada mais ultrapassado, hoje, do que lançar celular como se fazia antigamente, juntando numa sala de conferências comum os jornalistas, a diretoria da empresa e os telefones; novidade nessa área só se apresenta, atualmente, em desfile de moda, show em Xangai, Fashion Week. É óbvio que vou ter que repensar certos aspectos do meu guarda-roupa se quiser me manter em dia com o que está acontecendo.

No lounge (que é como, me parece, o povo fashion tende a chamar as salas) da Samsung havia quase tantos jornalistas de moda quanto de tecnologia e de economia. À primeira vista, parecia impossível distingui-los uns dos outros: estavam todos de preto. Na hora da coletiva, porém, tudo se esclareceu:

-- Qual é o sistema, CDMA ou GSM?
-- Qual é a fatia de mercado da Samsung na área de celulares?
-- Qual é o material em que foi confecionada aquela bolsinha vermelha?

Achei muito interessante ir à Fashion Week, mas confesso a vocês que me senti como um peixe fora d'água. Tentei desesperadamente pensar numa pergunta para fazer aos três estilistas que estavam mostrando os acessórios que fizeram para os celulares, mas a única coisa que me ocorreu foi perguntar como eles se chamavam. Acho que não pegou bem.

Saí do lounge da Samsung me sentindo terrivelmente inadequada. Logo ali em frente, havia um outro lounge, lindo, em tons de azul, com água corrente fazendo barulhinho e tudo. Era da Nívea. A assessora de imprensa, que já trabalhou na área de tecnologia, me conhecia -- mas, infelizmente, eu não conhecia o suficiente sobre a Nívea:

-- Ah, a Nívea também faz maquiagem?

Ela me olhou com espanto e pena.

-- Mas há muito tempo...

Agora tenho um CD com explicações e fotos de toda a linha de maquiagem da Nívea e estou impressionada. No primeiro andar, onde todo mundo fazia fila para saber detalhes do horóscopo e ganhar uma garrafa de Coca-Cola na cor do seu signo, montada numa caixinha com grafismos à la Mondrian nas cores do seu ascendente e da sua lua (Leão, Leão e Áries, respectivamente, ou laranja, laranja e um laranja mais forte -- ficou bonito) encontrei a Heloisa Marra, lá do Ela.

-- Escuta, me diz uma coisa, é horrível eu não saber que a Nívea faz cosméticos?
-- Ué, mas você não sabe?
-- Não, não sabia.
-- Nossa! Como é que pode?!

Resposta completa. Mas também, agora, já sei o que fazer antes do próximo lançamento de telefonia móvel. Vou deixar todos os white papers sobre GSM, CDMA e TDMA em casa e vou ter uma longa aula com a Mara Caballero sobre as tendências e os personagens da moda.

E vou comprar umas roupas novas.

(O GLOBO, 30.01.2003)