5.6.02



O mundo na palma da mão






Paul Jacobs,
presidente da Qualcomm
para wireless e internet,
com um dos novos
telefoninhos coreanos
durante o keynote
da Brew 2002.

(Essa é uma foto
oficial do evento)




SAN DIEGO, Califórnia -- Para o dicionário, e para a maioria das pessoas que falam inglês, brew é sinônimo para bebida fermentada, de preferência cerveja -- embora, usado como verbo, to brew seja uma ação também relativa a chá, café ou qualquer poção estranha. Para a Qualcomm (principal responsável pelo desenvolvimento do padrão CDMA de telefonia móvel), e os 1200 participantes da Brew 2002, a palavra tem, ainda, um outro significado. É um acrônimo para Binary Runtime Environment for Wireless, unindo, assim, três das grandes paixões do mundo hi-tech: nomes ligados a bebidas estimulantes, abreviaturas engraçadinhas e sistemas abertos.

Este caldo tecnológico é, trocando em miúdos, um padrão para qualquer objeto wireless que, aos poucos, está modificando de forma sensível a maneira como se usam celulares e PDAS. Desenvolvido e apresentado ao mercado pela própria Qualcomm há cerca de um ano, ele já ferve na Coréia, está no fogo aqui em San Diego e, em breve, entra em banho-maria em São Paulo, onde a Telesp começa três meses de testes antes de introduzi-lo definitivamente no mercado brasileiro.

O que há de tão especial no Brew? Bom, você -- e eu, e todos nós -- já ouviu dizer que o mundo wireless só não decola totalmente por falta de conteúdo, não? Agora imagine o desenvolvedor de um aplicativo qualquer tendo que reescrever o seu programa para cada uma das mil marcas e modelos de celulares e PDAs existentes, e tendo, ainda por cima, que levar em consideração as idiossincrasias das diversas operadoras de serviços -- aí dá para entender, perfeitamente, esta misteriosa falta de conteúdo num mundo tão cheio de gente criativa.

É aqui que entra em cena o Brew que, mais ou menos como o Java, pode -- pelo menos em tese -- rodar em qualquer aparelho wireless existente -- e que, além disso, é um pacote de soluções completo, que cuida do serviço de uma ponta a outra, da operadora aos usuários, passando pelos fabricantes, pelos desenvolvedores e até pelos bancos, já que, como agregadora de serviços, a Qualcomm recolhe os pagamentos pelas aplicações, tira lá os seus centavos e os redistribui a quem de direito. Para as operadoras, é uma solução caída do céu, que resolve uma série de problemas, do pagamento pelos aplicativos baixados pelos usuários à compatibilidade entre seus sistemas e os serviços que oferecem, para não falar na variedade de produtos de que passam a dispor.

Para os desenvolvedores, é, sem dúvida, um grande estímulo, já que, uma vez escrita, a aplicação está pronta para ser distribuída pelo mundo -- e com uma forma de retorno financeiro simples e descomplicada. Para o usuário, que na verdade não está nem aí para o que acontece nos bastidores do seu aparelho, desde que ele funcione e seja fácil de usar, é uma tentação de lascar. Afinal, de um momento para outro, aquela engenhoca básica, que mal dava conta do recado, pode vir a se tornar um dos objetos mais divertidos do seu cotidiano. Basta ligar para a operadora e baixar programas, músicas, jogos, vídeos... as possibilidades (ao contrário do bolso!) são infinitas.

Eu pude ver aqui uma dúzia de diferentes telefones e PDAs coreanos e japoneses movidos a Brew e, confesso, fiquei morta de inveja dos nossos antípodas. Esses telefoninhos turbinados têm telinhas coloridas de altíssima resolução, câmeras fotográficas embutidas, joguinhos emocionantes, som multimídia, serviços da maior utilidade, bobagens completas e coisas que a gente sequer sonharia ver em máquinas tão pequenas. Tudo em peso pluma e modelos fashion, uns mais lindos do que os outros.

O clima geral entre os desenvolvedores com quem conversei é de justificado entusiasmo. Afinal, para eles, uma plataforma como o Brew significa passar de alguns milhares de usuários para dezenas, ou centenas de milhares: haja horta para tanta chuva! Para muitos deles, que desenvolvem produtos de sucesso para as plataformas Palm e Pocket PC, o Brew é, positivamente, um belo atalho para o caixa.

Já para mim, que sou péssima usuária de celular -- nunca me dei sequer ao trabalho de usar SMS, os "torpedos" -- esses dias de convivência com o Brew estão abrindo toda uma nova perspectiva. Vendo os aparelhinhos orientais e os aplicativos apresentados na conferência, estou descobrindo que, na verdade, há certas funções que nenhuma máquina pode desempenhar tão bem quanto um wireless que de fato as desempenhe: indicar o caminho certo para um endereço, dar dicas de espetáculos, restaurantes ou serviços nas vizinhanças, conferir cotações de moedas... Enfim, coisas que fazemos hoje nos computadores e, em alguns casos, até nos nossos handhelds, mas tendo ainda que optar entre conectividade e mobilidade ou, nos casos em que ambas andam juntas (como nos Blackberries daqui), dispondo de uma gama reduzida de opções.

Com o Brew o caldo está de fato engrossando, e mais uma das convergências digitais vai tomando corpo. Como todas as outras, ela também é movida a conteúdo: salvo a meia dúzia de malucos que não resistem a um bom gadget (entre os quais me incluo), o público em geral só começa a prestar atenção a uma tecnologia quando ela deixa de ser um fim em si mesma, e passa a lhe oferecer algo essencial ou muito divertido. O computador pessoal só transformou o mundo quando a IBM criou, em 1981, uma máquina aberta, que podia ser copiada por qualquer um e para a qual, conseqüentemente, todo mundo podia desenvolver coisas interessantes. A internet só transformou o computador desconectado numa máquina aleijada quando cresceu em volume e passou a ser, de fato, a grande teia que cobre o mundo.

Acho que a mesma coisa vai acontecer com os nossos atuais celulares e palmtops: quando tudo o que a gente quiser estiver de fato ao alcance das nossas mãos, eles vão transformar radicalmente a nossa relação com o mundo digital.

Essa transformação já começou. Daqui a alguns anos, vamos olhar para trás, e pensar como foi que conseguimos sobreviver tanto tempo com celulares em que o máximo da diversão era jogar Snake, solitariamente, em telinhas monocromáticas.