24.6.02



Filósofos em fúria

Este fim-de-semana, como vocês podem facilmente constatar pelas datas dos posts do blog, andei dando um tempinho no computador. Nada sério -- nem com ele nem comigo, felizmente -- mas aconteceram muitas coisas interessantes. Sobretudo, caí nas garras de um livro maravilhoso, Wittgenstein's Poker (Ecco, 340 páginas, US$ 24), de David Edmonds e John Eidinow, que comecei a ler e não consegui largar mais. Ele me chamou a atenção porque, em princípios dos anos 80, tive a sorte de conhecer e de entrevistar um de seus protagonistas, Karl Popper, então um dos Monstros Sagrados da filosofia -- e fiquei curiosa a respeito do que ele andara fazendo quando jovem.

A idéia central do livro é inteiramente maluca, e só podia mesmo ter sido levada a sério na Inglaterra. No dia 25 de outubro de 1946, numa sala em Cambridge onde se reunia um grupo de discussão de filosofia, Karl Popper e Ludwig Wittgenstein se encontraram pela primeira e única vez em suas vidas; Bertrand Russell também estava lá (!), mas não teve nada a ver com a história. O encontro durou dez minutos, o suficiente para, segundo a lenda, Wittgenstein subir pelas paredes, ameaçar Popper com um tiçoeiro e sair enfurecido, batendo a porta: para ele, que acreditava que a filosofia nada apresenta além de charadas e enigmas, a idéia de Popper, de que ela oferece, sim, problemas reais, era de uma estultice simplesmente impossível de engolir.

O entrevero causou comoção entre os presentes e, obviamente, uma semana depois, em todos os departamentos de filosofia de todas as universidades do mundo, o conto tinha ganho muitos e muitos pontos. Wittgenstein teria acertado Popper com o tiçoeiro; Popper teria se armado com outro tiçoeiro, e os dois se teriam atacado com os ferros em brasa; Bertrand Russell teria distribuído bengaladas a torto e a direito. Vocês conseguem imaginar uma cena melhor?!

Pois Edmonds e Eidinow, dois jornalistas da BBC, resolveram tirar a limpo o que de fato aconteceu naquela tarde. Leram os relatos publicados na época e a sua descrição nas várias autobiografias publicadas ao longo dos anos por filósofos presentes ao encontro, e foram atrás dos que ainda estavam vivos para saber o que houve. O resultado? Cerca de 300 páginas absolutamente deliciosas, em que se misturam jornalismo investigativo, filosofia, biografia, história e ótima literatura. Em suma: tudo o que a gente pode querer para atravessar um fim-de-semana chuvoso no Rio.

Não sei se este livro já está traduzido, ou se sequer foi comprado por alguma editora brasileira. É possível que sim, pois transformou-se num daqueles improváveis sucessos editoriais que, volta e meia, fazem com que a gente volte a acreditar na inteligência coletiva da humanidade. De qualquer forma, fica aqui a minha mais calorosa recomendação -- para as editoras, caso nenhuma tenha ainda se interessado pelo livro, e para os leitores angloparlantes.

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