18.11.10

A traição de House




















A sétima temporada de House começou há algumas semanas, mas só agora assisti à sexta, que finalmente saiu em DVD. A série é das poucas que conseguiu me fisgar por mais de uma temporada, mas tenho sérias dúvidas se isso teria acontecido se essa sexta temporada tivesse sido exibida no primeiro ano. A diferença do “velho” House para o “novo” é tão deprimente que a impressão que se tem é que mudaram a equipe de produção inteira. (Conferi: tirando certa rotação de diretores e de roteiristas, que sempre existiu, tudo está, em tese, como sempre esteve.)

Nas primeiras temporadas, os casos médicos eram tão bons que eu saía direto para o Google, para descobrir mais sobre alguma daquelas horrendas moléstias que, sabe-se lá, podia estar escondida numa inocente embalagem na cozinha. Havia suspense nas histórias dos pacientes, e os procedimentos da equipe, embora incompreensíveis para a minha falta de conhecimento especializado, faziam sentido. Muitos faziam sentido até para os profissionais da área – esbarrei em bons fóruns americanos onde médicos discutiam acaloradamente os casos apresentados. Por outro lado, sabia-se pouco da vida pessoal de House e da equipe – apenas o suficiente para mantê-los interessantes e um tanto misteriosos.

Agora tudo mudou. Os casos médicos perderam o suspense, o capricho visual – com aquelas câmeras entrando corpo adentro – e, sobretudo, qualquer aparência de lógica. As discussões entre House e a equipe viraram um vale-tudo, em que nomes complicadíssimos são jogados de lá para cá, sem que se possa sequer imaginar do que aquela gente está falando – até porque os tratamentos são totalmente randômicos. Os pacientes recebem toda a espécie de remédio, são cortados, operados e transplantados a três por quatro -- até que a solução para os seus casos caia do céu, sem qualquer ligação aparente com as discussões da equipe ou os cuidados administrados. Virou CTI de hospital público. Quem precisa de gênio da medicina?

E, por falar nele, o próprio House está diferente. No primeiro (e, por acaso, excelente) episódio da temporada, em que estava internado para se tratar da dependência do Vicodin, ele ainda foi o velho House de sempre, lutando contra o sistema e tentando agir à sua maneira. Foi ótima dramaturgia jogá-lo num hospital onde não podia fazer nada além de obedecer, como qualquer paciente, e melhor dramaturgia ainda confrontá-lo com alguém que não só não cedia aos seus caprichos como podia mais do que ele (o psiquiatra Dr. Nolan, interpretado por Andre Braugher).

Infelizmente House teve alta no fim do episódio e a ação voltou para o hospital de costume – e aí só restou ao público perceber que o maluco genial se transformou num caso insuportável de adolescência retardada, exceção feita ao último episódio, ridículo, em que virou um sujeito bonzinho e piegas, totalmente contrário ao que conhecemos. Que decepção! O House dependente químico era muito melhor do que o House movido a analgésicos; resta saber o que os roteiristas estão tomando, ou deixaram de tomar.

Enquanto isso, a série de mistérios médicos foi dando lugar a um clima de novelão, focado nos problemas pessoais da equipe. Péssima idéia: mal comparando, é como se, a certa altura, Conan Doyle jogasse para o alto os casos policiais e passasse a se dedicar apenas à vida sentimental de Sherlock Holmes e do Dr. Watson, os inspiradores de House e Wilson.

Hugh Laurie continua maravilhoso, e não há mancada de roteiro que consiga apagar o seu brilho. Mas a vida particular de Chase (Jesse Spencer) e de Cameron (Jennifer Morrison) não tem a menor graça, a relação de Foreman (Omar Epps) e de Thirteen (Olivia Wilde) é o que há de forçado, Taub (Peter Jacobson) e a mulher são uns chatos entre quatro paredes e as intimidades de Cuddy (Lisa Edelstein) e de Lucas (Michael Weston) são mais informação do que a gente precisa. Quem quer ver casais em conflito já tem uma quantidade de melodramas para assistir, e não precisa de House.

Ora muito bem: se tudo está esta pasmaceira, para que acompanhar a temporada inteira? Fiquei me perguntando isso ao longo de vários episódios, e não encontrei resposta certa. Pode ser por familiaridade, porque é difícil abandonar velhos hábitos; ou pode ser porque, mesmo capenga (sem trocadilho; ou com), House ainda continua sendo uma das melhores séries em cartaz.

* * *

Enquanto isso, há algumas semanas, rola a sétima temporada na Universal. Assisti ao primeiro episódio; gostei e não gostei. Gostei que House e Cuddy foram, até que enfim!, aos finalmentes; mas não gostei nada do House carente e apaixonado que acha que a relação não vai dar certo porque, mais cedo ou mais tarde, Cuddy vai se lembrar de tudo o que ele aprontou com ela e vai terminar o caso. Este não é o House, caramba, é um estranho que se meteu no roteiro! Algum fã das antigas consegue imaginar House sequer discutindo a relação?!

* * *

Leitores que conhecem as coisas pelos nomes certos me chamaram às falas por causa da crônica da semana passada. Lendo o email do Victor Koifman vocês vão entender por que:

“Bueiro é por onde drena (se escoa) a água pluvial. Chamar de "tampas de bueiro" as tampas das diversas "visitas" dos sistemas públicos de infra-estrutura urbana (água, esgotos sanitários, drenagem pluvial, telefone, gás e eletricidade) é mais ou menos como chegar numa loja de Informática e pedir "uma televisão do computador" ao invés de um monitor.”

Touchée.


(O Globo, Segundo Caderno, 18.11.2010)

Nenhum comentário: