1.11.10

A internet em manchete

















Na quarta-feira acordei tarde, passei a manhã resolvendo coisas e só me conectei lá pelo meio da tarde. Chequei os comentários do blog e as mailboxes, e fui para o Twitter. Dei uma olhada na Timeline. O polvo Paul continuava liderando. Os demais assuntos não me chamaram a atenção. Em terceiro ou quarto lugar, se bem me lembro, estava Kirchner.

“O que será que ela fez agora?” pensei com o meu teclado, e fui conferir. Assim é que descobri a morte de Nestor Kirchner – e, de quebra, cristalizei a descoberta, da qual vinha gradativamente me dando conta, de que, ultimamente, o Twitter é mesmo a minha fonte primária de informação, o lugar onde pesco a notícia em estado bruto.

Essa informação, aliás, é interativa e, volta e meia, tem duas mãos – já me aconteceu várias vezes cair num engarrafamento inesperado, ou ter dúvidas sobre alguma coisa, dar uma tuitada a respeito e, na sequência, receber dezenas de respostas.

Mas essa “descoberta” óbvia não foi a única do caso. No dia seguinte, quando acordei e peguei o jornal, a proverbial lâmpada dos desenhos animados acendeu-se metaforicamente acima da minha cabeça: lá estava o efeito internet estampado na primeira página, numa manchete que, há poucos anos teria sido radicalmente diferente:

“E agora, Argentina?” perguntava “O Globo”.

Aquela era uma manchete feita com o pleno conhecimento de que, àquela altura, todos os leitores já sabiam da morte do ex-presidente. Uma manchete antenada com os caminhos atuais da informação. Para benefício de algum leitor que tivesse passado o dia anterior em retiro espiritual ou em viagem interplanetária, duas linhas menores esclareciam: “Morte súbita do ex-presidente Kirchner confunde cenário político do país”.

No todo, nada demais. Nada que já não tivesse acontecido antes no próprio jornal, onde as manchetes esportivas, sobretudo, já partem, há tempos, do princípio que o resultado do jogo não é mais novidade. Mas este foi o momento em que a minha ficha caiu completamente: ali estava a prova da influência da universalização da internet sobre a primeira página.

Há cinco ou seis anos, a manchete teria sido “Morre Kirchner”, ou “Enfarte mata Kirchner”, ou outra variação qualquer no mesmo tom; em alguns outros jornais, aliás, as manchetes foram exatamente essas, e subitamente elas me pareceram muito, muito antigas.

O mais curioso é que, há cinco ou seis anos, o rádio e a TV já existiam há décadas, e já transmitiam informação exatamente como fazem hoje, instantaneamente; mas os jornais pareciam não levar isso em conta. Era como se o público que se informava por rádio ou TV fosse um público diferente, ou como se, aos jornais, fosse obrigatória a reiteração da informação primária.

Aquela manchete de quinta-feira, “E agora, Argentina?”, me deu o que pensar. Ali estava, indiretamente, apontado o caminho que, mais e mais, os jornais impressos devem seguir no momento em que todas as outras formas de informação são mais ágeis: repercussão, análise, opinião. Bem ou mal, aquela era a pergunta que estava – e que ainda está -- na cabeça de todos. E agora, Argentina?

E agora, jornal?

Eu acho que é por aí mesmo.


(O Globo, Revista Digital, 1.11.2010)

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