20.11.10

A rede e os seus perigos

“Um dia, todos os jovens vão poder mudar de nome automaticamente ao chegar à idade adulta, para fugir das besteiras juvenis armazenadas nas páginas de redes sociais dos amigos.” Já se disse muita bobagem sobre os perigos da internet, mas a frase de Eric Schmidt, CEO do Google, tornou-se um clássico instantâneo – e foi lembrada, mais uma vez, durante o seminário “Crianças e internet: desafios e oportunidades na sociedade da informação”, realizado na última terça-feira, em Brasília, pelo Itamaraty, pela Unesco e pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict). A internet é perigosa, mas nem tanto, e – além de discutir políticas governamentais e sociais – o seminário deixou claro que nada é tão importante para garantir a segurança das crianças quanto a atenção dos pais. Em suma: até nisso a internet é um reflexo do mundo cá fora.

A educação dos pais a respeito da rede e a educação dos filhos através dos pais são as molas mestras para um ambiente mais seguro. Carlos Gregorio, do Instituto de Investigacion para La Justicia, da Argentina, fez uma ótima analogia trazendo para a mesa de debates uma simples sacola de plástico, daquelas que se usam nos hotéis para a roupa suja. Nos anos 60, quando os sacos plásticos substituíram os de papel, inúmeras crianças morreram por colocá-los na cabeça e se asfixiarem. É por isso que, até hoje, tantos sacos plásticos ainda trazem a advertência de que não são brinquedos, embora a cultura popular já tenha assimilado completamente a lição. Não existem mais estatísticas a respeito de crianças acidentalmente sufocadas por sacos plásticos: eis o poder da educação. Ainda assim, muitos deles, como os das lavanderias de hotel e os de embalagem de eletrodomésticos, trazem pequenos furos – para permitir a passagem do ar. Moral da história? Educação é realmente essencial, mas também é importante que a indústria faça a sua parte. Não precisa ser nada radical, mas pequenas mudanças ajudam, aos poucos, a aperfeiçoar o processo.

Exemplo? A ferramenta Safe Search, da Google, representada por seu diretor de políticas públicas para a América Latina, John Burchett. O Safe Search é um filtro que bloqueia páginas que contenham conteúdo sexual explícito, e que os pais podem escolher na opção “Preferências” do Google. Quando se usa o Chrome, browser da casa, o Safe Search pode ser trancado por senha, de modo a não poder ser desativado por outros usuários da mesma máquina. Com um detalhe bem pensado: quando ele está ativo, há bolas coloridas no alto da página, de modo que, mesmo olhando de longe, os pais podem ver se os filhos estão fazendo uma pesquisa segura.

Como todos os mecanismos de proteção existentes – e o próprio conceito geral de proteção às crianças na rede – este resolve parte das ameaças de uma exposição a temas de cunho sexual; mas há outros perigos dos quais nem nos damos conta. Fiquei muito impressionada com a palestra de Isabella Henriques, do Instituto Alana, sobre a overdose de mensagens comerciais oferecida à criançada online. Quase todo alimento infantil tem um site com jogos, brincadeiras, atrações. Resultado: as crianças, que não sabem diferenciar propaganda de conteúdo, ficam expostas durante horas a aparentemente inocentes anúncios de sucrilhos, refrigerantes, bebidas achocolatadas, biscoitos, salgadinhos – tudo porcaria. Depois a gente estranha a epidemia de obesidade infantil...

O consumismo desenfreado também foi apontado por Marilia Maciel, do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas: novamente, a questão é a quantidade de publicidade dirigida a crianças e jovens na internet, e a atração que a criançada sente pelos anúncios. Mas ela atribui uma parcela da culpa às gerações anteriores, que não souberam (ou não puderam) preservar os espaços tradicionalmente reservados à garotada, como as ruas e praças, que deixaram de ser áreas seguras. A idéia de lazer da família contemporânea é ir passear no shopping, templo máximo do consumismo. A “mensagem” desse tipo de programa é clara: diversão é consumo.

Será que é isso mesmo que a gente quer que as crianças aprendam?


(O Globo, Economia, 20.11.2010)  

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