James (de camisa branca) e Joe (de camisa preta) conversam
com dois dos migrantes que acompanham
A imprensa já descobriu as redes sociais como ferramentas de trabalho há algum tempo: tanto o Twitter quanto o Facebook têm se provado excelentes pontos de interação com leitores e busca de fontes para o cotidiano. Mas Joe Leahy e James Fontanella-Khan, do “Financial Times”, deram um passo adiante, e estão usando o Facebook para desenvolver uma reportagem que será publicada em dezembro. Os dois trabalham na sucursal de Mumbai do jornal inglês, e têm postado regularmente as várias etapas da apuração sobre a vida de trabalhadores que saem de pequenas aldeias para tentar a sorte na cidade grande.
Joe e James vêm acompanhando, há cerca de um mês, o dia a dia de um grupo de imigrantes; alguns desistiram de Mumbai em pouco tempo, e voltaram para casa. A matéria, com seus avanços e contratempos, vem sendo trabalhada como qualquer matéria do gênero – exceto pelo fato de os leitores fazerem parte do seu desenvolvimento. Esta é a primeira vez que um grande jornal usa um espaço público como o Facebook na construção de uma reportagem; esta é também a primeira vez em que os repórteres se vêem diante de críticas e palpites de leitores antes mesmo do seu trabalho ser oficialmente publicado pelo jornal. Conversei por email com James, que acumula a função de diretor da sucursal, para saber como vai a experiência.
O GLOBO - Como surgiu a idéia de usar o Facebook?
JAMES FONTANELLA-KHAN - Joe Leahy tinha acabado de escrever uma matéria sobre o numero crescente de empresas que vem usando sistemas como Facebook para comunicação interna, e descobriu que a razão disso é que um número cada vez maior de funcionários acha mais simples usar as redes sociais do que participar de reuniões movidas a slides de Power-point. Conversando sobre o assunto achamos que seria interessante tentar fazer algo parecido com o nosso projeto “Mumbai: vivendo o sonho”, que, em princípio, seria apenas uma matéria convencional. Decidimos que a idéia era boa, e logo partimos para o estágio seguinte, abrindo uma página no Facebook para compartilhar os nossos pontos de vista e o processo de criação da matéria (http://on.fb.me/bombaim). A idéia era criar uma comunidade em torno do que estávamos fazendo e, ao mesmo tempo, atingir pessoas que não são necessariamente leitoras do “Financial Times”. Poderíamos igualmente ter usado um blog, mas o Facebook tem funções mais amigáveis, além de facilitar a formação de comunidades.
O GLOBO - Como tem sido a experiência de trabalhar no Facebook o que vai ser, afinal, uma reportagem tradicional? A participação dos leitores ajuda?
JAMES FONTANELLA-KHAN - Como mecanismo para compartilhar notas e trabalhar em grupo o Facebook é excelente, e facilitou muito a minha vida e a do Joe. Mas o mais importante mesmo tem sido a participação coletiva. Alguns “amigos” fizeram críticas muito construtivas e levantaram questões éticas da maior seriedade. Um dos leitores, por exemplo, perguntou qual era a diferença entre o que nós estávamos fazendo e a versão indiana do Big Brother. Outro questionou a forma como estávamos conduzindo a apuração. Ser transparente implica correr riscos, mas os benefícios são maiores. Os comentários nos ajudaram a manter o foco e a sermos abertos, ao mesmo tempo em que nos fizeram pensar em profundidade sobre o que estávamos fazendo, e como estávamos fazendo. A nossa responsabilidade para com os leitores aumentou. Em suma: sugiro a outros jornalistas tentarem a mesma experiência.
O GLOBO - Você acha que o futuro do jornalismo passa necessariamente pelas redes sociais, ou vê isso como uma experiência isolada?
JAMES FONTANELLA-KHAN - Acho que a nossa experiência não deve ser um fenômeno isolado. A chamada grande imprensa deve interagir cada vez mais com as redes sociais, que criaram um novo espaço de comunicação e interação. Elas vieram para ficar, e o jornalismo deve aprender a conviver com elas. Sob este aspecto, aliás, estou cada vez mais convencido de que as redes sociais representam uma nova oportunidade para o jornalismo, especialmente nesses tempos em que a leitura de jornais vem diminuindo (a Índia sendo uma notável exceção). No “Financial Times” nós adotamos cedo todas as formas de novas mídias, e hoje a nossa operação é plenamente integrada. Isso significa que não há mais diferenças entre o impresso e o online. O FT participa ativamente do Facebook, do Twitter e do YouTube, mas até aqui usávamos essas ferramentas apenas para postar o nosso trabalho. Com “Mumbai: vivendo o sonho” galgamos um novo patamar. Quisemos contar a história primeiro no Facebook para construir uma comunidade com os nossos leitores, e torcemos para que este venha a ser um modelo adotado por outros repórteres, em eventuais projetos especiais.
O GLOBO - Trabalhar no ambiente de uma rede como o Facebook criou alguma dificuldade inesperada, ou tudo está indo conforme planejado – na medida em que se podem planejar projetos assim?
JAMES FONTANELLA-KHAN - As coisas estão indo bem. Para ser sincero, temos enfrentado os mesmos problemas que enfrentaríamos num projeto convencional. Os acontecimentos não estão vinculados à mídia na qual trabalhamos. No fundo, escrever no Facebook está até nos ajudando a desenvolver a matéria de forma mais estruturada, em vez de ter que espremer tudo no espaço de uma semana.
O GLOBO - Por quanto tempo você acha que vão conseguir manter o ritmo? Já tem alguma idéia de quanto tempo vão levar até terminar a reportagem?
JAMES FONTANELLA-KHAN - A matéria tem que sair antes do fim do ano. De qualquer forma, nossos planos, por enquanto, são de manter a página no ar. Gostaríamos que, eventualmente, ela se tornasse um ponto de convergência para a discussão da questão da migração.
O GLOBO - Qual é a freqüência com que vocês entram em contato com os imigrantes que estão acompanhando?
JAMES FONTANELLA-KHAN - Entramos em contato praticamente todo dia, embora nem sempre a gente escreva sobre isso. Nós ficamos sabendo como eles vão e que progressos têm feito. Não queremos transformar a matéria num projeto de pesquisa tipo Big Brother.
O GLOBO - Vocês vão procurar outros imigrantes para substituir os que já desistiram de Mumbai e voltaram para as suas aldeias?
JAMES FONTANELLA-KHAN - Estamos pensando em acompanhar mais algumas pessoas, mas não vamos mais viajar até as aldeias e seguir os imigrantes desde a partida, como fizemos no começo. Parte da matéria é, justamente, o fato de que alguns não agüentaram a barra e foram embora. Isso mostra as dimensões das dificuldades que eles e tantos outros como eles têm que enfrentar.
(O Globo, Economia, 26.11.2010)