9.7.09
Entrevista com a Vaca
Ela é jovem, bonita, contracena com Tony Ramos e ganha um dinheirão. Está com tudo e não está prosa: apesar de ter conquistado a fama no horário nobre, continua com a mesma personalidade descomplicada de sempre. A sua agenda, contudo, está cada vez mais concorrida. Quando fui ao Projac para entrevistar a Vaca, levei um bolo.
-- Mas hoje é sábado! – exclamou Débora Bloch, com quem me encontrei no estúdio de “Caminho das Índias”. – Hoje você só encontra aqui gente como a Juliana Paes, como o Rodrigo Lombardi, como eu... A Vaca é uma diva, não trabalha fim-de-semana.
Como o verdadeiro jornalismo investigativo não se deixa abalar por contratempos, depois de mais uma rodada de telefonemas e emails voltei ao Projac. Dessa vez dei sorte. Encontrei a Vaca na cidade cenográfica, do lado de fora do set do Rajastão, onde são filmadas todas as cenas de rua indianas da novela. Fazia um lanche rápido na grama enquanto não era chamada para a sua cena.
-- Bom dia, Vaca.
-- Muuuuuuuuuuuuu – respondeu ela, cordialmente.
-- Muuuuuuuuuuuuu?
-- Muuuuuuuuuuuuu!
Ela sente-se à vontade sob os refletores. Acostumou-se com as câmeras e com as atenções e, como toda estrela, faz mistério em relação ao cachê. Fala-se, nos bastidores, que ela não sai de casa por menos de 350 reais, mas ela desconversa. Falam também que comeu o prestigioso crachá da Globo, mas ela nega indignada o episódio, que teria sido inventado por uma revista de fofocas.
A vaca vem de uma família de artistas, e nasceu há dois anos no set do“Sítio do pica-pau amarelo”. Foi batizada de Emília. Sua mãe, de nome Onça, tem uma longa trajetória televisiva, e também trabalha em “Caminho das Índias”, mas as duas nunca atuam juntas: a presença da mãe intimida Emília.
Para entrevistar a Vaca é preciso falar com Douglas Barros, animalier (uma espécie de sommelier de animais) do Rancho do Nori, em Guaratiba. Lá vivem a vaca e dezenas de outros bichos que brilham na televisão: carneiros, cabritos, patos, cavalos, porcos, cachorros, gatos, cobras e até capivaras.
Eu, para a Vaca:
-- O que você acha da sua personagem em “Caminho das Índias”?
-- A Mãe Vaca foi um presente de Glória Perez. É um papel complexo, cheio de muuuuuuuuuuumuuuuuuuuuuuunhas. Para começo de conversa, preciso interpretar uma vaca mais velha e com mais vivência; depois, tenho de passar aquela coisa assim meio espiritual da Índia, entende? Também sou muito grata ao Marcos Schechtman, o diretor, que me deu essa oportunidade. Tenho aprendido muito com ele e com todo o elenco maravilhoso da novela.
-- Você fez laboratório?
-- Assisti a diversos episódios do National Geographic e do Animal Planet e a todos os filmes do Satyajit Ray.
-- Você sofreu alguma espécie de discriminação ou preconceito por ser uma vaca?
-- Pelo contrário! Todos me receberam de braços abertos, e me incentivaram com palavras de carinho.
-- Como é contracenar com Tony Ramos?
-- Fiquei meio nervosa quando nos encontramos pela primeira vez, é claro, mas o Tony é um verdadeiro lord, um parceirão. Ele logo me deixou inteiramente à vontade. Ele é um colega fantástico, que não se importa em dividir a cena com os outros. Mas o que eu mais gosto é que ele tem um estoque gigantesco de banana d’água guardado naquela loja.
-- Como você tem conciliado o trabalho na novela com a vida pessoal?
-- Desculpe, mas não falo sobre minha vida pessoal. Só falo sobre a minha carreira.
-- Mas você pode pelo menos adiantar o que vai fazer quando a novela acabar?
-- Bem, eu gostaria de me casar e de ter filhos.
-- Você gostaria que seus filhos seguissem a carreira artística?
-- Acho que eles devem seguir as próprias vacações, digo, vocações, mas daria força se algum quisesse vir para a televisão. O trabalho é fácil, ganha-se bem e come-se muitas frutas. Muita banana!
-- Quais são seus planos para o futuro?
-- Estou estudando vários projetos. Tenho paixão por teatro, e acho que também seria interessante fazer um filme.
Eu, para a Vaca:
-- Aqui entre nós, você é mesmo sagrada?
-- Não sei. Pergunta para a produção.
(O Globo, Segundo Caderno, 9.7.2009)
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