11.6.09

Fashion Rio: foi lindo!




A Marina da Glória é um belo lugar, mas, para uma semana de moda, o Píer Mauá – nome chique do Cais do Porto -- é imbatível: o que mais ouvi durante a Fashion Rio foram Oh!s e Ah!s de admiração diante da paisagem. Pudera não. A água do mar batendo logo ali, os navios ao largo, as montanhas, o perfil da cidade, a Ponte Rio-Niterói. Liguei extasiada para um amigo:

-- Pode se preparar para morrer de inveja. Estou na Fashion Rio, olhando para a Baía de Guanabara. Há dois guindastes lindos à minha frente!

-- Guindastes? Mas logo guindastes?! Eu pensei que você ia me falar das modelos!

Não, não dá para explicar para um homem que, eventualmente, dois guindastes podem roubar a cena num universo fervilhante de moças bonitas. E, no entanto, lá estavam eles, os dois impávidos colossos, chamando a atenção de todos. É preciso ver um guindaste iluminado à noitinha para perceber que bonito que é.

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A nova locação da Fashion Rio é um sucesso. Tudo mudou para melhor, a começar pelos armazéns, que substituíram as antigas tendas com enorme vantagem. Na verdade, chega a ser injusto comparar as tendas, tão transitórias, com o velho cais, todo faceiro depois da restauração. No novo endereço, a própria dinâmica do evento passou a ser outra. O passeio em frente aos armazéns virou uma espécie de calçadão, com diversos pontos de descanso: restaurantes, barracas de cachorro quente e de sorvete, espreguiçadeiras, almofadas. Ir de um desfile a outro deixou de ser prova de resistência, mas, mesmo assim, para os mais comodistas ou apressados, havia carrinhos de golfe fazendo o percurso.

O principal assunto de conversa foi, como não podia deixar de ser, a nova administração. Paulo Borges passou no teste com louvor. Não ouvi uma única crítica às novidades, embora, aqui e ali, tenha encontrado quem achasse que a semana perdeu um pouco do seu espírito carioca. A princípio, eu mesma tive essa impressão; depois, pensando melhor, percebi o que aconteceu. É que a Fashion Rio ficou mais madura, mais profissional. Todos os detalhes foram tratados com muita atenção. O melhor retrato disso eram os seguranças, discretos, eficientes e bem arrumados, sem um botão desabotoado. Excelente!

Algumas mudanças notáveis: os insuportáveis filmetes dos patrocinadores, repetidos antes de cada desfile, passaram a ser misericordiosamente exibidos enquanto a platéia buscava seus lugares, e ficaram indolores; a localização dos extintores de incêndio era relembrada sempre que as luzes se apagavam; e, aleluia!, o horário dos desfiles foi cumprido, com a margem razoável de 30 minutos de atraso.

Entre as raríssimas exceções, o verdadeiro espetáculo que o Carlos Tufvesson apresentou, mas não por culpa dele. Nos ingressos estava escrito 20h30. Às 21h, com todos em seus lugares, as luzes se apagaram... e nada! Lá ficamos nós, mil pessoas, esperando no escuro. O mistério só foi desfeito às 21h15, quando chegaram o governador e o prefeito, acompanhados de esposas e comitivas. Que papelão. As excelências levaram uma boa vaia, para aprenderem que a pontualidade é a cortesia dos príncipes.

Outra exceção ao bem cronometrado relógio da Fashion Rio foi a Lenny, que também atrasou 45 minutos. Ondas de impaciência varriam o público, submetido a uma dose dupla de filmetes; o pior é que, nesse caso, nem havia a quem vaiar. Prova da sua excelência é que, apesar da má vontade gerada pelo atraso, todo mundo adorou o desfile, como sempre impecável. A Lenny não erra.

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ão vi todos os desfiles, mas vi muitos deles, provavelmente mais do que em qualquer outra edição da Fashion Rio. Meus favoritos foram o da Cantão, em que tudo estava lindo, alegre e colorido, e o do Tufvesson, que criou um clima disco muito divertido. Cantão é a roupa que a gente usa, solta e leve. Tufvesson é a roupa com que a gente sonha, e com muita nostalgia, diga-se, quando passou dos 40 (anos/quilos): é tudo bem colorido, bem justinho, bem curtinho.

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Carlos Tufvesson não brilhou só na passarela. Junto com o release do desfile, distribuiu um texto comovente, relembrando os 40 anos da luta dos homossexuais pelo reconhecimento de seus direitos civis.

“Este ano comemoro 15 anos de casado com uma pessoa com quem divido minha vida, minhas alegrias e tristezas, e por quem tenho profundo amor e carinho”, escreveu. “Não enxergo nada de errado ou indigno no nosso amor. Tenho certeza de que ele é abençoado por minha família, por nossos amigos e por todos que nos querem bem. Se isso não é casamento, não entendo o que possa ser. Por isso me sinto envergonhado de, ainda hoje, no meu país, ter de me declarar solteiro. Tomo isso como uma falsidade ideológica e uma afronta à minha cidadania.”

Sou amiga de Carlos e André, e de inúmeros outros casais que não têm o direito elementar de serem legalmente reconhecidos. É inacreditável que, em pleno século XXI, a mão pesada do obscurantismo ainda impeça parcela tão preponderante da humanidade de viver em paz.


(O Globo, Segundo Caderno, 11.6.2009)

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