25.6.09

Canudo e competência




“Você tem que escrever sobre esta barbaridade!” – disse o amigo do meu amigo. – “Acabar com a exigência de diploma para os jornalistas... a que ponto chegamos! Agora qualquer um pode ir para a redação e se dizer jornalista. Como é que vai ficar isso?”

Gostei da sugestão; mas minha opinião deixou-o desconcertado. É que sempre fui contra – radicalmente contra – a exigência de diploma de curso superior para o exercício da nossa profissão.

“Então você acha que ninguém precisa estudar para ser jornalista?”

Pelo contrário! Ainda que não entenda o que diplomas têm a ver com estudo, acho que jornalistas precisam estudar muito, e sempre. E acho bom que esqueçam este verbo, “estudar”, em geral ligado a algo que se faz por obrigação. Jornalistas de verdade lêem e se informam contínuamente: por hábito, por segunda natureza, por uma curiosidade intelectual incontrolável que os leva a se interessarem por tudo, ou quase tudo. Diploma não leva ninguém a fazer isso, a ser assim.

O problema é que o Brasil cultiva a noção de que o diploma de curso superior é sinônimo de conhecimento. Como o nosso ensino básico é péssimo, e dificilmente se aprende alguma coisa na escola, sobra a ilusão de que a passagem por uma universidade nos tornaria automaticamente cultos e educados -- e tão superiores aos demais, que passaríamos a ser até merecedores de prisão especial.

É por isso que algumas pessoas insistem em ver, no fim da exigência do diploma, uma espécie de “rebaixamento” da profissão. Elas acham que, se o diploma de jornalismo deixou de ser obrigatório, nenhum diploma (leia-se conhecimento) será necessário. Não pode haver equívoco maior.

A única coisa que o diploma de jornalismo garantiu, até aqui, foi uma reserva de mercado injusta e pouco democrática. As redações vão ficar mais ricas e diversificadas com o fim dessa burocracia anacrônica, que pressupõe que apenas quem fez comunicação está apto a lidar com a informação.

Acontece que o jornalismo é importante demais para ficar restrito a um grupo homogêneo de pessoas, sem a mínima brecha para variações.

* * *

Paradoxalmente, o fim da exigência do diploma deve melhorar muito a qualidade dos cursos de comunicação. Como eles não são mais obrigatórios, precisarão ser suficientemente ágeis e inteligentes para conquistarem os alunos e as empresas de comunicação. Que continuarão, é claro, a recrutar a maior parte dos seus quadros entre os formandos.

Nos últimos dias, tenho visto muita gente lamentando o tempo que perdeu na faculdade para conseguir o diploma; mas qualquer curso que alguém lamenta ter feito não precisava, nem merecia, ter sido feito. E me lembro de Mark Twain, que dizia que nunca deixou sua escolaridade interferir com sua educação.

Outra coisa que ouvi e que encontrei aos montes na internet foi a declaração estapafúrdia de que os cursos de jornalismo seriam imprescindíveis por “ensinar ética”. Como assim, “ensinar ética”?! Ética vem de casa, da vida inteira; não há curso que possa suprir essa lacuna. Meu conselho para quem acredita nisso é esquecer o jornalismo e entrar para a política.

Ser jornalista, enfim, não vai ficar mais fácil. Vai ficar cada vez mais difícil. O que vai ficar mais fácil é se dizer jornalista, mas não vejo em que isso possa diminuir qualquer um de nós. Ser escritor, por exemplo, é para poucos, embora uma quantidade infinita de pessoas bem intencionadas se atribua o ofício. Ter diploma de escritor não mudaria em nada a sua falta de talento. Ou de leitores.

* * *

Recebi um email do dr. Alceu Cardoso, coordenador técnico da Sepda, esclarecendo a ação da secretaria em relação ao assassinato dos gatinhos da prefeitura:
“A Secretaria Especial de Promoção e Defesa dos Animais, ao tomar conhecimento do evento em questão, prontamente acionou seu staff para as devidas providências conforme sua própria citação.
O técnico (médico veterinário habilitado e capacitado) enviado para primeira inspeção dos cadáveres, de fato atestou lesões compatíveis com agressão. Entretanto, ao contrário do que foi publicado em sua coluna, os corpos dos animais foram enviados para o Instituto Municipal de Medicina Veterinária Jorge Vaitsman, para que fossem realizadas as necropsias no intuito de se estabelecer a causa mortis, e, posteriormente, se efetuou a cremação sem perder as provas do crime.
A Sepda jamais teria uma atitude leviana de cremar os cadáveres sem que houvesse prévia e criteriosa avaliação e, posteriormente, a conclusão do fato ocorrido. O laudo emitido pelo Instituto Municipal de Medicina Veterinária Jorge Vaitsman confirma a causa mortis (lesões traumáticas graves, provavelmente causadas por animal agressor). Quanto à autoria do fato, a SEPDA encaminhou ofício à 6ª DP para registro, averiguação e elucidação de tal ato desumano.”

Fico mais sossegada sabendo que a Sepda está atenta ao caso, mas continuo sem entender como foi possível que quase vinte gatos tenham sido mortos em frente à prefeitura sem que um único guarda percebesse o que estava acontecendo.

(O Globo, Segundo Caderno, 25.6.2009)

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