11.10.05



Sim ao NÃO

(Puxei este post pra cá porque gostei muito do texto do Edk -- que, agora descobri, tem um ótimo blog. Seria uma pena ele sumir na rolagem tão rápido, né?)

Agora que farreamos todos à vontade no fim-de-semana, que tal ligar o fio terra? Acabo de ler um comentário muito bom lá no Idelber, que está em Santiago, mas deixou um ótimo debate sobre o "desarmamento" no ar.

Escrevo "desarmamento" entre aspas, porque acho de absoluta má-fé o uso desta palavra. Quem dera que o governo ou quem quer que seja pudesse, de fato, desarmar a bandidagem! Não é o arsenal pesado dos traficantes que está em discussão; o que está em discussão é se nós, cidadãos de bem, poderemos ter ou não o direito de comprar armas legalmente.

Caso o SIM seja aprovado, mais uma parcela decente da população será empurrada para a ilegalidade. O governo brasileiro é especialista em fazer do cidadão honesto um criminoso a contra-gosto: estimula a sonegação através dos impostos mais altos e injustos do mundo, estimula o suborno da polícia através de leis de trânsito absurdas, estimula o contrabando através de taxas de importação extorsivas e, logo, estará estimulando a compra ilegal de armas por todos nós, que não somos nem parlamentares, nem juristas, nem artistas que andam com segurança 24 horas por dia.

Voto NÃO, obviamente. Mas leiam o comentário do leitor do Idelber, que se assina EDK. O texto é comprido mas excelente:
Tenho nível superior, sou policial civil, sou professor e já trabalhei em delegacia. Conheço e convivo hoje com muitas estatíticas, conheço um pouco a violência e sua face mais cruel.

É interessante saber que por dever de ofício e que através do porte que minha carteira profissional me dá, tenho direito a portar, e usar arma. Mas detalhe: não uso e não tenho arma. Não sou a favor das armas. Mas sou contra, totalmente contra o, assim chamado "desarmamento".

Em um mundo ideal não teríamos armas. Não usaríamos armas. Não haveriam guerras. E nem a violência que vivemos hoje. Infelizmente, não vivemos em mundo ideal e muito menos fictício. A violência urbana brasileira chegou a números escandalosos. Absolutamente absurdos. Assalta-se, furta-se, frauda-se e sobretudo, mata-se demais no Brasil. E o pior, com os dispositivos que temos hoje, estamos sem saída. Estamos perdendo e continuaremos perdendo a luta contra a violência. Os bandidos riem da cara da polícia e se esbaldam no estado de atonia e fraqueza geral da população.

Moro numa cidade pequena de 250 mil habitantes onde a polícia resolve (acha os autores de) cerca de 90% dos casos de homicídio, o mais grave crime. Mas, admito, em alguns bairros a sensação de insegurança é absurda. A população clama. O povo e o Estado está à mercê.

O Rio de Janeiro é o caso mais sintomático da realidade brasileira. A violência ali é extremamente incompreensível. E não há soluções. Estamos todos, diante da impotência do Estado brasileiro, caminhado para nos transformar em uma horrível favela onde a lei é a do tiro e o pó comanda.

Mas como dizia, os bandidos riem de nós. Certa vez, ao encaminhar um traficante preso em flagrante com aproximadamente 20 "cabecinhas" de cocaína para a penitenciária, vivi um diálogo insólito. O traficante achou o relógio de meu amigo policial bonito e perguntou se ele estava à venda e por quanto. Meu amigo disse que o relógio não estava à venda e mesmo se estivesse o traficante não conseguiria comprá-lo, pois estaria na penitenciária local. O traficante riu-se e disse que em menos de um mês e meio estaria fora e que talvez o procurasse para comprar o relógio. Acreditam??

Contei este "causo" para mostrar o quanto somos impotentes. Um cara é pego em flagrante vendendo veneno a nossos jovens e nosso Estado o libera para matar mais jovens menos de dois meses depois. E isto de fato aconteceu. Tenho vários exemplos e não me alongarei pois ainda nem toquei no ponto do post. As armas.

Ora, por experiência, por estatística e por visualizar in loco a realidade da violência, sei que realmente os crimes cometidos por armas legais são muito pequenos em número. Mera poeira estatística perto das quase cinquenta mil mortes por ano no Brasil (38 mil por armas de fogo, aproximadamente).

O referendo não vai acabar com estas mortes. Engana-se quem pensa que isto poderá ocorrer. O Estado brasileiro é ineficiente por sua própria natureza. Não dará conta de impedir o comérico ilegal de armas que crescerá como nunca, após referendado pela população "global".

O referendo só nos mostra uma coisa, aliás que está mais do que visível: O Estado brasileiro não tem soluções, não sabe o que fazer, está inerte, sem planejamento, sem programa, sem ação e apático diante da crescente violência urbana brasileira. Isto é um fato que o referendo só faz certificar.

Não há programa. Não há projetos. Não há reformas. Não existem propostas. O Estado está perdido em sua própria burocracia e picuinhas políticas vendo seus jovens morrerem a sua volta.

Em primeiro lugar a polícia brasileira é corrupta (aliás não só a polícia). E o Estado nada faz. A Justiça é lenta. E o Estado nada faz. (aliás ela é lenta muito por causa do próprio estado). As polícias, todas elas, trabalham em constante rivalidade e não em conjunto (olha que sei disto). E o Estado nada faz. A justiça não trabalha em conjunto com a polícia. E o Estado nada faz. As leis, da mais brandas às mais severas não são cumpridas. E o Estado nada faz. As penitenciárias estão inchadas, desestruturadas e falidas. E o Estado nada faz. Os investimentos diretos em segurança são irrisórios e não cumpridos. E o Estado nada faz. Grande parte das polícias estão sucateadas, desestruturadas. E o Estado nada faz. A educação pública brasileira é uma vergonha e um grande problema. E o Estado nada faz.

Ao invés disto o que faz o Estado brasileiro? Gasta 210 milhões de reais em um referendo absolutamente inócuo, de nenhum efeito. Ou alguém acha que de fato ele será cumprido? Qual lei brasileira é cumprida 100% por 100% da população? Como o Estado fará para fazer cumprir esta lei? Ele terá condições?

Nem usarei dos números, pois sei que eles são absolutamente manipulados nesta questão. Afinal, crimes passionais existem, sempre existiram e continuarão existindo. Se não usarem armas, usarão, facas, cutelos, martelos, vidros, tacapes, carros e álcool. Este sim o grande vilão, envolvido em cerca de 95% das ocorrências policiais. Quem ousará proibi-lo? Onde está o Estado que se cala diante destes números?

O instituto do referendo como a vejinha diz talvez seja até desmoralizado, pois, o comércio ilegal de armas continuará existindo. As armas, assim como os impostos, continuarão existindo e aumentando em quantidade.

Não sou a favor das armas. Não acho que reagir em assaltos seja a melhor estratégia. Mas tenho certeza que as cerca de 3000 armas legais anuais brasileiras não são as responsáveis pelo caos e violência em que vivemos. Tenho certeza. Absoluta certeza. E ninguém que defende o sim poderá dizer o contrário.

As imagens mostram diversos acidentes com armas domésticas. Ora, ninguém conhece a definição da palavra "acidente"? É algo causal, fortuito, imprevisto. Não são os acidentes com crianças que são responsáveis pela violência brasileira gente! Ou será que enlouquecemos todos? Não é porque, no trânsito, ocorrem mais de 50 mil acidentes com vítimas anuais que proibiremos os automóveis de circularem, de serem comercializados ou utilizados. Ao contrário, usamos de educação e tentamos modificar a cultura brasileira no trânsito. Afinal, o abuso, não tolhe o uso. Quem dirige um carro, tem uma faca, uma arma, fuma ou ingere bebidas alcóolicas sabe, ou deveria saber dos riscos que corre. É, ou derveria ser, algo natural e decorrente do uso. O abuso não tolhe o uso.

Alguém fala, "mas este é o primeiro passo...!". Ora, ora, por favor!! Que "primeiro passo" é esse? Com o pé esquerdo? Alguém, de bom senso, estudado e de posse de estatísticas racionais e confiáveis, ciente da criminalidade brasileira acha mesmo que o caos e a violência urbana irão diminuir porque cerca de 3000 armas deixarão de ser comercializadas legalmente?? Que criminalizar alguém que queira, por acaso ou porventura, ter uma arma é a melhor solução?? Vou apelar pro sentimentalismo "global": E os fora-da-lei, assaltantes e traficantes?? Quem tira as armas deles???????? Quem????

A polícia corrupta?? O estado ineficiente?? O exército que vende as armas para eles???

Porque não dar um bom primeiro passo, fazendo um sério planejamento, uma compreensão da realidade, investindo em educação, em integração entre polícias e o judiciário, em limpeza da polícia, em prevenção ao crime, propondo projetos verdadeiros e sérios que enfrentem o "verdadeiro" problema?

Sou a favor do desarmamento, sério mesmo. Só acho que quem quiser ter uma arma, tem o direito de fazê-lo legalmente e de não ser considerado criminoso até que cometa, de fato, algum crime. O Estado deve criar (e já existe viu) mecanismos sérios e dificultosos que possibilitem um rígido controle sobre quem quer ter armas. E não criminalizar este cidadão.

Por isso voto não. Não que eu ache que o "não" ou o "sim" resolverão alguma coisa. Concordo com a viajandona, a discussão sobre o tema está se transformando num circo, o referendo é um embuste, há muita demagogia, manipulação e a solução é falsa.

O impotente Estado não sabe o que fazer contra a violência e quer nos vender um "engodo", uma "falsa esperança". Uma solução imediatista e sem planejamento. E ainda gasta rios de dinheiro para isso. Deveria, ao invés disso, querer saber se eu quero gastar meu dinheiro nestas baboseiras, querer saber se nós queremos que os palhaços (parlamentares) que desmoralizam nossa nação devem ganhar o salário absurdo que eles ganham com os privilégios que tem e usando arma( é vero!!). Deveria querer saber se não gostaríamos de ver estes recursos aplicados na melhoria da qualidade da educação nas escolas. Ou investido em um planejamento de longo prazo para salvar a nação festiva e alegre brasileira que não mnerece se ver representada da forma que é. Que não merece a balbúrdia e a farra com o nosso dinheiro que acontece.

Nós não merecemos gastarmos nosso fosfato cerebreal com decisões inócuas e sem efeito. Deveríamos discutir um projeto comum de país. Uma proposta de educação de longo prazo. Uma saída para a falência dos hostpitais e da saúde pública brasileira, uma maior adeqüação da justiça à nossa realidade.

Eu sou da paz galera! Sou policial e ando desarmado. Apesar de gostar de atirar e sentir prazer e me desestressar quando o faço (legalmente em clubes de tiro, claro!). Não tenho arma de fogo.

Mas voto não.

Não ao engodo, não à hipocrisia, não ao politicamente correto, não à enganação, não à manipulação. Sei que não mudará nada, mas votarei não.

Afinal, eu já fiquei frente a frente com criminosos, homicidas, traficantes e assaltantes perigososos. Estes caras adorarão saber que ninguém terá mais armas. Que só eles terão acesso total e irrestrito às armas. Que o governo colocará junto deles às pessoas que têm armas. Absurdo. Vergonhoso e deprimente.

Quanto à revista (Veja), a matéria é ruim como o artigo que você indicou Idelber. Mas não trai seus leitores. Apresenta seus argumentos e não os esconde sob um manto de hipocrisia. E pelo menos uma pergunta lá exposta é pertinente: O que o Estado fará com as milhões de armas ilegais em poder dos bandidos? O que? Faremos outro referendo sobre isso??

É isso. Perdão pelo post estupidamente grande.

Abraços "de paz".

Edk.

P.S. Perceba que usei a expressão "estado" e não "governo", pois entendo que a ineficência e apatia não são próprias deste governo, mas sim de todos os últimos.
Bravo, EDK. Falou e disse.

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