25.8.05




Desvendado o segredo do
serviço de bordo!

Escrevem passageiros, tripulantes e até um spotter,
espécie até aqui desconhecida pela cronista



Vejam vocês como é imprevisível essa vida de cronista. Na semana passada pensei muito antes de escrever a respeito dos aeroportos, dos mistérios do serviço de bordo e do maravilhoso fondue de chocolate da Ponte Aérea. Com o país atravessando a pior crise política da sua história recente, quem é que ia se interessar por comida de avião?! Por outro lado, crise ou não crise, a vida segue -- e o fondue me pareceu não só digno de registro, como um bom gancho para falar sobre duas ou três coisas a respeito de aviões e aeroportos.

Para minha surpresa, a repercussão foi enorme. Descobri que muita gente gosta de comida de avião; e, através do Luis Fernando Verissimo, descobri até o por quê. Na crônica de domingo, ele matou a charada: "O importante não é a comida, é estar comendo a caminho de algum lugar." Como é que eu não tinha pensado nisso?! É claro, o segredo das bandejinhas está mais no significado do que no conteúdo -- embora um fondue de chocolate possa se dar ao luxo de dispensar qualquer significado.

Já o grande segredo do serviço de bordo, que sempre começa pela outra ponta do avião, me foi gentilmente esclarecido por passageiros observadores, e confirmado por tripulantes: "O serviço começa no meio, com duas equipes de comissários, que se dirigem às pontas", escreveu a comissária Danielle Rayol. "Dessa forma, tanto quem está na frente quanto quem está atrás é servido por último... Quem está no meio é que se dá bem. Também, já estão em cima da asa, pelo menos vão comer primeiro, né?"

Faz sentido, sem dúvida alguma -- e explica porque é que eu, que sempre vou bem na frente ou bem atrás, estou quase sempre entre as últimas pessoas a serem servidas. Ana Gomes, outra comissária da Ponte Aérea, completou a informação: quando há menos de 60 passageiros, ou seja, meio avião, o serviço começa pela frente.

* * *

Devo dizer, aliás, que fiquei extremamente comovida com a quantidade e com o teor dos emails que recebi de comissários de bordo e comandantes da Varig, muitos deles já aposentados. É visível que, para essa turma tão simpática, a Varig não é apenas um emprego, mas um grande motivo de orgulho, apesar dos tempos difíceis.

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"Se um dia fizerem a CPI da Infraero, vai se descobrir que provavelmente não só os fingers foram construídos a metro, mas concreto e asfalto também são um grande negócio", escreveu Bruno Gelmi a respeito de outro tópico da crônica, o exasperante comprimento desses túneis nos aeroportos brasileiros.

Ele se deu ao trabalho de observar alguns aeroportos no Google Earth, programa que é um perfeito retrato da Terra, e descobriu diferenças chocantes entre o que se faz no Brasil e o que se faz no chamado mundo civilizado. Pelas fotos nota-se claramente que economia de espaço e de recursos é coisa de paisinhos que pensam pequeno, como, digamos, a Alemanha ou os EUA.

Para os fãs do Google Earth, aí vão algumas coordenadas enviadas pelo Bruno:

  • Galeão 22 48' 54,62'' S / 43 14' 52,92'' W
  • Frankfurt 50 02' 50,04'' N / 8 34' 31,12'' E
  • Los Angeles 33 56' 48,59'' N / 118 24' 14,44'' W

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    Além dos fingers esdrúxulos, outro crime está sendo cometido com a reforma dos aeroportos: todos estão perdendo os terraços panorâmicos. Quem me chamou a atenção para isso foi Daniel Carneiro, que pertence a uma espécie ainda mais estranha do que a dos gourmets voadores, a dos spotters, que gostam de apreciar pousos e decolagens. Esta galera, que leva o hobby a sério e faz fotos maravilhosas de aviões, está perdendo o seu espaço.

    "Você deve ter acompanhado a festa que era, anos atrás, uma chegada do Concorde ao nosso Galeão", observou. "Centenas de pessoas se amontoavam no (então aberto) terraço do aeroporto para apreciar o pouso da bela ave. Bons tempos que não voltam mais, pois o Concorde deixou de voar e os terraços foram reduzidos e fechados com vidraças escuras..."

    Para avaliar o que se está perdendo com o fim dos terraços, basta dar uma olhada nas magníficas coleções de imagens do Daniel, em dcpics.notlong.com e dcpix.notlong.com.

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    Já a minha apreensão com o que está por acontecer ao Santos Dumont encontrou eco no coração de Ricardo Freire, cronista da "Época" e viajante tarimbado. Na última página da revista desta semana, ele propôs a criação de um movimento contra a construção de fingers no "aeroporto mais charmoso do planeta".

    O Santos Dumont é pequeno e não precisa de obras faraônicas; só precisa que o deixem em paz. Afinal, descer do avião por uma escadinha com vista para o Pão-de-Açúcar, sentindo o cheiro da maresia, é uma felicidade que não tem preço, e que faz da chegada ao Rio algo único e deslumbrante.

    Nem preciso dizer que apoio incondicionalmente o movimento. Vamos lutar pelo tombamento do nosso aeroporto querido, antes que seja tarde!

    (O Globo, Segundo Caderno, 25.8.2005)
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