18.8.05





Comida de bordo, um raro prazer

Fui a São Paulo na semana passada para ver as novidades em câmeras digitais. Pedi um assento na janela, do lado direito, bem na frente do avião. O detalhe do lado direito é muito importante: há poucos vôos tão bonitos quanto a Ponte Aérea, mas enquanto o pessoal do lado esquerdo só Vê um pedacinho de Niterói e muito de mar, quem vai do lado direito vê toda a baía, passa rente ao Pão-de-Açúcar, acompanha as praias e, em dias claros, tem paisagem ininterrupta até a chegada.

Ir bem na frente é menos importante, mas também tem suas vantagens, sobretudo para quem gosta de fazer fotos aéreas, já que não há asa atrapalhando a vista; além disso, o desembarque é mais rápido, porque nos fingers de Congonhas não se usa a porta traseira. Fingers, vocês sabem, é como se chamam aqueles corredores móveis que se encostam ao flanco dos aviões, e que substituíram as escadas nos aeroportos de quase todas as grandes cidades.

Antigamente eu achava os fingers o máximo da modernidade, uma das grandes invenções do engenho humano; mas não há como continuar gostando deles depois de ver as barbaridades que fizeram na parte nova do Galeão, em Guarulhos e em Congonhas. Pensados originalmente para facilitar a vida dos passageiros, e tornar embarques e desembarques mais rápidos, aqui eles se transformaram em labirintos intermináveis, que funcionam exatamente ao contrário do que seria de se esperar. No dia em que alguém fizer a CPI da Infraero, vai se descobrir que foram negociados a metro. Não há outra explicação.

O resultado é que hoje chego a sentir ternura pelos pequenos aeroportos à antiga, cada vez mais raros, e me assusto em pensar no que vão fazer com o Santos Dumont, que tanto amo. Cada vez que desembarco de volta, olhando a nossa paisagem extraordinária através dos tubinhos transparentes que cobrem as escadas, fico com o coração apertado.

* * *

Os estrangeiros que vêm ao Brasil ficam bestas com a Ponte Aérea, e não só por causa da paisagem: há poucos lugares no mundo em que ainda se serve alguma coisa em vôos tão curtos. Nos Estados Unidos, por exemplo, onde as companhias aéreas já eram mesquinhas antes do 11 de setembro, corre-se atualmente o risco de se atravessar o país de um lado a outro sem se receber nada além de um mísero refrigerante.

Acho o máximo apresentar amigos de fora aos luxos da Ponte Aérea e ver o seu ar de espanto diante das caixinhas de comida que as aeromoças mal têm tempo de distribuir.

Pena que, na semana passada, estava sozinha. É que, dessa vez, até eu me espantei quando o comandante -- sim, ele em pessoa! -- nos informou que havia uma surpresa para os passageiros no serviço de bordo: fondue de chocolate com frutas frescas.

Fondue?! Num avião?!

Minha curiosidade demorou a ser satisfeita. A equipe começou a servir os passageiros de trás para frente, e fui das últimas a ser atendida. O fondue veio em duas caixinhas, uma com pedaços de fruta, outra com chocolate amargo derretido. Delicioso!

Resultado: na volta, por causa desta maravilha da culinária aérea, pedi um lugar no fundo do avião (também do lado direito, com vista para a restinga, as montanhas, o Maracanã e o cais do porto, com direito à Ilha Fiscal lindamente iluminada ao anoitecer). Eu estava convencida de que garantia, assim, um fondue com o chocolate pelando de quente.

Pois sim! Alguns mistérios são insondáveis para o mortal comum, e entre eles está a ordem do serviço de bordo -- que nunca jamais consegui acertar, em vôo algum. Este não foi exceção, e começou, claro, lá pela frente. Um dia, quem sabe, eu talvez adivinhe certo.

* * *

Sim, adoro comida de avião, mesmo quando não é tão surpreendente. Nos velhos tempos, a única pessoa que me entendia era o Luis Fernando Veríssimo, um gourmet que não tem medo de confessar o que, para tanta gente, é heresia gastronômica.

Agora, com a Internet, percebo que não estamos sozinhos. A comida de avião tem uma legião de admiradores, cujo ponto de convergência é o utilíssimo site www.airlinemeals.net, única e exclusivamente dedicado ao assunto.

Lá o conhecedor pode se entreter com milhares de fotos de refeições de bordo, servidas por centenas de companhias aéreas, entre elas as falecidas Braniff e Pan Am; as refeições são minuciosamente descritas, com notas dadas pelos passageiros e tripulantes que as fotografaram.

Só do Concorde da British Airways há 101 fotos; da Singapore Airlines, universalmente considerada a melhor companhia aérea do mundo, há 661 fotos, acompanhadas das mais diversas manifestações de encanto e prazer.

Nem preciso dizer que já mandei para lá umas fotinhas do fondue de chocolate da nossa Varig.

Dei nota 10.


(O Globo, Segundo Caderno, 18.6.2005)

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