Rio: mais abandonado do que
a capivara na Reduc
Os sapos na fervura pedem instruções:
como é que se faz para sair da panela?
Como todo mundo, eu também gostei muito do artigo escrito por Maria Silvia Bastos Marques para O Globo, na semana passada. Nele, ela dizia que, no Rio, estamos vivendo como sapos na fervura, "nos acostumando, dia após dia, com situações que, olhadas à distância, nos pareceriam inadmissíveis e intoleráveis". Concordo com isso. As barbaridades que hoje passam por "coisas da vida" no Rio de Janeiro também me enojam e me fazem ferver o sangue.
Fico me perguntando até que ponto as autoridades assistirão a tudo o que está acontecendo como se não fosse com elas. Digo autoridades por força de hábito, claro, porque não reconheço, em nenhum dos poderosos, a definição do Aurélio para autoridade: "Aquele que tem por encargo fazer respeitar as leis". Digo autoridades, também, porque o povo, coitado, já está por aqui com a situação.
Concordando no atacado, discordo no varejo. Maria Silvia acha que estamos assistindo passivamente à deterioração acelerada da cidade mas, ao mesmo tempo, faz pouco caso de quem se mobiliza pela volta da Capivara à Lagoa. Ora, como uma das pessoas envolvidas nessa mobilização, esclareço que, vista sem preconceitos, a luta pela volta da Capivara vai um pouco além da localização geográfica de um roedor.
Estamos lutando porque o destino de um bicho que cativou tanta gente, e que deu um charme tão especial à Lagoa, foi decidido, intempestivamente, por um ou dois funcionários do zoo de Niterói, que sequer se preocuparam em saber de onde vinha aquele animal, como vivia e em que condições havia sido criado - embora não lhes faltasse disposição para convocar o Jornal Nacional a acompanhar sua viagem até a Reduc.
Estamos lutando porque esta ação, arbitrária e incompetente, nos deixou indignados.
Estamos lutando para que o estado e a prefeitura tomem providências em relação aos animais com quem dividimos a cidade, e que, no momento, estão abandonados à própria sorte.
Estamos lutando porque queremos que a comunidade seja respeitada, e porque gostaríamos que os usuários de uma região fossem ouvidos em questões pertinentes àquela região -- seja essa região a Lagoa, o Centro ou mesmo a famigerada Reduc.
Pode parecer pouco, mas é um exercício de cidadania como outro qualquer.
Ao mesmo tempo, pelo pouco que é, talvez possa produzir resultados. Se não a volta da nossa Capivara, pelo menos uma discussão a respeito do trato municipal e estadual com os animais, algo importantíssimo numa cidade cravada em plena Mata Atlântica, que recebe, com freqüência, baleias e pingüins desnorteados.
Estou inteiramente de acordo com Maria Silvia quando ela diz que precisamos sair da apatia e reagir -- mas, se a mobilização pela Capivara não vale, eu gostaria muito que ela me dissesse o que fazer, e como.
Estou inteiramente de acordo, também, com a sua idéia de que o Rio precisa ser uma Cidade-Estado -- mas, novamente, gostaria muito de saber o que propõe como ponto de partida para isso, e o que é que o cidadão -- este, que acusa de estar assistindo passivamente à destruição da cidade -- pode fazer em relação ao assunto.
* * *
A verdade é que o carioca está mais abandonado na sua cidade do que a Capivara na Reduc. Os governadores acasalados odeiam o Rio, o prefeito só pensa em ser presidente e o presidente, que detesta a cidade e não suporta os governadores, não está nem aí para nós. No máximo se preocupa em saber se os turistas estão sendo bem tratados, e olhe lá.* * *
Há mais ou menos um mês eu estava conversando com amigos da Colônia de Pescadores da Lagoa, feliz com a quantidade de aves que via, quando um deles fez o alerta:-- É, os pássaros estão uma beleza, mas os peixes vão morrer novamente, logo logo.
Perguntei por quê, e ele me disse que era impossível a sua sobrevivência com a quantidade de esgoto que a Cedae estava despejando na água:
-- Fazem isso de madrugada, para ninguém ver. Abrem as comportas e vem aquele monte de porcaria, direto. De manhã tudo já se misturou e ninguém repara, mas precisa ver o cheiro que fica isso aqui às três da manhã.
Pode até ser que a mortandade desta vez seja devida ao calor, à maré baixa ou a uma conjunção infeliz dos signos do zodíaco, mas o fato é que a Cedae, que deveria estar trabalhando para despoluir a Lagoa, está fazendo justamente o contrário. Se isso não é crime ambiental, não sei o que possa ser.
O mais triste é ver este descaso quando há tanta vida por lá. Os peixinhos da foto ainda estavam bem quando os fotografei, debaixo do deck do Cantagalo, na segunda à tarde: pela sombra projetada na areia, dá para ver como nadavam no raso, procurando ar.
Tadinhos deles.
E coitados de nós.
(O Globo, Segundo Caderno, 27.1.2005)
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