24.11.04





Um taxi perdido na selva

No último dia que passei em Porto Velho as gravações de "Mad Maria" foram interrompidas por volta das três, logo depois do almoço.

Chovia a cântaros.



Mais tarde, passando a chuva, se realizariam as primeiras tomadas noturnas. Para isso, uma equipe de técnicos trabalhara o dia inteiro, instalando toda a espécie de luzes e refletores na floresta.

Parece óbvio, e é, mas, para mim, observar aquilo foi uma revelação: não é que faz mesmo sentido deixar as noturnas para o fim das gravações? Imaginem só se, além de todos os problemas "normais", o pessoal ainda tivesse que se preocupar com os cabos e fios passando entre as árvores!

A primeira condução para o set deixaria o hotel às oito; a segunda, às dez.

Resolvi aproveitar o intervalo para dar uma volta de bicicleta.



Zanzei sem destino pelas ruas largas cheias de mangueiras, parando aqui e ali para brincar com gatinhos (há muitos gatos em Porto Velho), ver a vista do rio e admirar revoadas de pássaros se preparando para dormir.



Quando voltei para o hotel, todo mundo já tinha ido pro set. A tal leva das dez acabou não sendo necessária e lá estava eu, entregue à minha própria sorte. Um lado de mim queria tomar um bom banho e desabar na cama; o outro estava morrendo de curiosidade em relação às gravações noturnas.

Nem preciso dizer qual deles prevaleceu...

Havia um último taxi em frente ao hotel, com dois sujeitos ao lado. Pelo que entendi eram sócios no carro. Um sabia direitinho onde se realizavam as gravações, mas quem me levou foi o outro, depois de tomar a direção com o colega.

Já fiz várias corridas estranhas de taxi, mas esta foi, sem dúvida, a mais notável de todas. Uma estrada de terra batida e um escuro de bréu do lado de fora; um taximetro de alma nova-iorquina do lado de dentro, iluminando dois bípedes que não tinham noção do caminho.

Os telefones celulares não recebiam sinal; o rádio do taxi funcionava, mas não havia mais ninguém na escuta.

E a floresta, por toda a parte a floresta.

O set ficava a quinze quilômetros de Porto Velho; rodamos pelo menos uns quarenta. Ainda me lembro que, num determinado momento, me ocorreu que eu deveria estar apreensiva em relação àquilo; o motorista, pelo menos, não estava nada feliz. Mas achei a sensação de estar perdida num taxi em plena selva amazônica tão curiosa e original que só conseguia pensar nela.

Quando finalmente chegamos ao local das filmagens, metade da equipe já tinha voltado para o hotel; a outra metade estava correndo para as vans antes que as luzes fossem apagadas. Mal tive tempo de fazer duas míseras fotos; logo uma das produtoras me agarrou pelo braço e me carregou embora.



Eram duas da manhã. Em tese, as gravações iriam até às três, mas o trabalho rendeu tanto que acabou uma hora antes.

Fiquei muito frustrada de não ter visto nada -- mas, por outro lado, até o fim da vida vou me lembrar que, numa noite de novembro do ano de 2004, eu estava na Amazônia, dentro de um taxi que rodava perdido pela floresta.

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