12.3.04




Explosões matam:
não se pode esconder esta verdade


O dia em que o fotojornalismo
acabou sendo mais uma vítima




Como tratar as fotos de uma tragédia que abala o mundo? Escondem-se dos leitores os detalhes mais chocantes, como fizeram as emissoras americanas nos idos do 11 de Setembro, em que, apesar da lúgubre contabilidade de 2.976 mortos, praticamente não se viu uma gota de sangue no vídeo, ou divide-se com eles o horror que chega às redações? Ontem, vários jornais, no Brasil e em outros países, responderam de diferentes maneiras a essa pergunta.

A foto de maior impacto do atentado, que mostrava vítimas sendo atendidas diante dos trens destruídos, acabou na capa dos principais jornais do mundo — O GLOBO entre eles. Acontece que, do lado inferior esquerdo, podia-se ver um pedaço de corpo: um braço, talvez, ou uma perna. Uma visão terrível, mas não menos chocante do que a realidade que a cercava; um detalhe — horrível — do horror.

Este detalhe, porém, mexeu tanto com a sensibilidade de alguns editores que eles acabaram atropelando uma regra básica do fotojornalismo: não se modifica, nunca, a realidade registrada pela fotografia. Pode-se cortar as fotos, pode-se publicá-las em preto e branco, pode-se, até, aplicar uma tarja por cima do que não se quer mostrar; mas não se pode suprimir ou acrescentar nada ao que foi capturado pela lente — sobretudo sem se informar isso.

Em vários jornais, no entanto, o membro ofensivo foi eliminado digitalmente. Um recurso fácil, e até compreensível como cuidado, mas com uma consequência funesta: perda de credibilidade. Num mundo de fotos digitais, em que qualquer principiante manipula imagens com razoável eficiência, a única forma de conservar a fé do leitor no que vê é garantindo que nenhuma foto de reportagem será jamais alterada sem que ele saiba disso. Este é o caso em que uma palavra — “modificado” — pode valer por mil imagens.


(O Globo, Mundo, 13.3.2004)

Update: Para ver capas de jornais ao redor do mundo, a melhor pedida é o Newseum: são 284 primeiras páginas de 37 países, constantemente atualizadas.

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