Logo no primeiro capítulo de “O colecionador de mundos”, livro de Ilija Trojanow de que falei semana passada, uma grande fogueira é armada no jardim de uma vila em Trieste, na Itália. Nela, imediatamente após a morte do marido, uma viúva manda queimar um bonito livro encadernado em couro. Na vida real, Isabel Burton estava cometendo, há exatos 120 anos, um dos grandes crimes literários do seu tempo. Para “proteger a reputação” do marido, o capitão Richard Francis Burton, queimou todos os seus diários íntimos, observações e anotações feitas ao longo de uma das vidas mais interessantes do século 19. O fogo também levou uma nova tradução de “O jardim perfumado”, de Muhammad al-Nafzawi, obra de literatura erótica árabe do século 15 que Burton comparava aos escritos de Aretino e Rabelais.
Essa barbaridade pouco adiantou; apenas aumentou os rumores acerca das reais inclinações sexuais de Burton, e criou enorme antipatia por Isabel. Quanto ao capitão, continua cheio de admiradores. Muitos me mandaram emails, entusiasmados pela possibilidade de reencontrá-lo, agora numa obra de ficção. Não será a primeira vez que isso acontece: do “Aleph” de Borges ao supracitado “Colecionador de mundos”, passando pelo “Mundo perdido”, de Conan Doyle, a Wikipedia cita mais de uma dúzia de obras de ficcionistas que não resistiram ao homem que, se não tivesse existido, teria que ter sido inventado. E não faltou uma boa recomendação do pool de leitores:
“Há um excelente livro policial que gira em torno de Richard Burton – escreveu David Soledade. -- O título é “A promessa do livreiro”, o autor é John Dunning e a editora é a Companhia das Letras.”
Já Henrique Moraes dá o mapa da mina para os angloparlantes interessados nas memórias da famosa viagem à Meca:
“O multitalentoso Richard Burton é um dos grandes personagens vitorianos da História. No site abebooks.co.uk podem ser encontrados exemplares do autobiográfico “A Secret pilgrimage to Mecca and Medina”, onde ele conta com detalhes preciosos essa extraordinária aventura.”
* * *
“A respeito de Sir Richard Francis Burton, esse Indiana Jones do século 19, gostaria de acrescentar que ele andou por aqui também, -- escreveu José Mário B. F. Lima. – “Viveu no Rio durante dois anos, no reinado de D. Pedro II, do qual se gabava ser amigo pessoal, escreveu dois livros sobre a vida e a geografia do império brasileiro (não recordo os títulos, infelizmente!) e visitou os campos de batalha da Guerra do Paraguai como observador (espião?) do império inglês, escrevendo o livro "Cartas dos campos de batalha do Paraguai", publicado aqui pela Bibliex Editora, uma espécie de diário, cartas para um amigo inglês sob pseudônimo, nas quais descreve aspectos sociais, geográficos/geológicos (era um geólogo compulsivo!) e bélicos do conflito e dos povos e cidades nele envolvidos, a saber, brasileiros, argentinos, uruguaios e paraguaios. Suas descrições das cidades do Rio da Prata são minuciosas e críticas, e nos transportam para o clima vigente na América Latina do seu tempo. Ao longo do volume, ele várias vezes se refere às suas aventuras na África e no Oriente Médio, inclusive sua peregrinação à Meca, disfarçado de árabe! Se o personagem de fato a empolgou, recomendo a leitura do livro mencionado acima.”Eu não disse que um livro fora de série puxa um monte de outros? Agora já são mais dois que preciso procurar, “A promessa do livreiro” e essas “Cartas...”! Mesmo sem ter lido o email do José Mário, porém, Marcelo França faz uma correção ao texto:
“Ele foi cônsul britânico em Santos. E é personagem do lindo filme "Montanhas da Lua". E eu tinha uma biografia dele muito boa, mas o nome dela, esqueci...”
Não seja por isso. Há quem lembre, como Assede Paiva:
“Por oportuno, informo que há outro livro sobre o mesmo aventureiro, escrito por Edward Rice, intitulado “Sir Richard Francis Burton”, Companhia das Letras. É ótimo.“
Fui ao site da editora e vi que o livro ainda pode ser encontrado, numa edição de bolso lançada em 2008 com um subtítulo que dá uma boa idéia do biografado: “O agente secreto que fez a peregrinação a Meca, descobriu o Kama Sutra e trouxe As mil e uma noites para o Ocidente”.
E Arthur Mario Vianna lembra os títulos que José Mário B. F. Lima esqueceu:
“Burton esteve no Brasil no século 19 e escreveu dois livros muito interessantes: “Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho” e “Viagem de canoa de Sabará ao oceano Atlântico” (Editora Itatiaia ). Neste último esteve em 1867 com Carlos Mariani, de tradicional família baiana, em Barra do Rio Grande, às margens do Velho Chico.”
Mas tem mais. Vejam o que diz a Heloisa Barbosa:
“Richard F. Burton é personagem muito estudada por nós, pesquisadores em tradução. Foi cônsul britânico em Santos, onde, com a esposa, fez amizade com o casal José de Alencar. Esta tornou-se a primeira tradutora de Iracema para o inglês: “Iraçéma the Honey Lips: A Legend of Brazil” (Bickers & Son, 1886). Na verdade, há dúvidas se o tradutor não foi ele mesmo, tendo ela apenas incentivado a publicação do livro, após a morte dele. Em 1982, descobriu-se uma tradução dele da obra de José Basílio da Gama: “The Uruguay: a historical romance of South America” (University of California Press, 1982).”
E agora vocês me desculpem, mas tenho que dar uma chegadinha rápida numas livrarias online. Volto logo.
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