5.10.06

Querido diário...

Como já deu para perceber, resolvi ficar mais um dia. Estava cansada demais para encarar tão cedo outras 26 horas de vôo; na verdade, ainda nem tinha tido a sensação de ter chegado.

Infelizmente o hotel tão bem localizado onde eu estava hospedada não tinha vaga (sim, acontece disso aqui: hotéis lotados) e tive que vir para o Radisson SAS Seaside, que prefiro chamar de Hotel no Fim do Mundo -- uma antiga fábrica de queijo, o que explica os tamanhos esquisitos dos quartos e a localização no que antigamente foi uma zona obviamente industrial.

Ele é limpo, confortável e tem wi-fi de graça, mas o desespero que me bateu quando vim parar aqui vocês não calculam. Deixei as malas no quarto, catei o primeiro taksi que apareceu e pedi:

-- Por favor, me leve para qualquer lugar.

-- "Qualquer lugar" é muito vago. Você podia ser mais precisa?

-- Qualquer um, tanto faz. Só quero um lugar onde haja alguma coisa para ver, gente na rua, essas coisas.

-- Há vários lugares assim em Helsinki.

-- Tá, tá. Me leva para o mercado, pronto.

Gosto muito do mercado, cheio de gaivotas abusadas. E, exatamente nesta semana, realiza-se o Festival do Arenque. Não é brincadeira: a variedade de peixes e formas de preparar o arenque é algo levado deveras a sério por aqui.

Tempo bonito, mas gelaaaaaaaaado. Pois lá estava eu clicando, feliz da vida, já esquecida do Hotel no Fim do Mundo, quando, sem mais aquela, caiu um baita pé d'água. Corri para uma barraquinha e pedi um bicho muito parecido com camarão, mas um pouco diferente no gosto e na consistência.

Estava delicioso.

Enquanto isso, a chuva passou.

Lá fui levar os rabos dos não-camarões para as gaivotas quando começou a chover novamente. Aí me refugiei no mercado velho, um prédio de tijolos aparentes, onde há toda espécie de comida estranha, de peixes inteiramente desconhecidos a carne de rena.

Carne de rena é, por sinal, a carne "normal" daqui. Impossível escapar de carne de rena na Finlândia -- onde, claro, viro vegetariana light assim que desço no aeroporto. O diabo é que aqui realmente se precisa de calorias, e estou cuidando dessa necessidade básica com chocolate.

A essa altura já engordei mais uns três quilos -- e, pior, minha pele resolveu se rebelar contra a dieta imbecil que adotei.

Tudo bem; chegando em casa volto pro spinning. E vou correndo na dermatologista!

Do mercado andei até o centro, comprei um cartão de memória para o telefone novo (sim, sim, cai em tentação), vi as vitrines.

Estava um frio do cão na rua e um calor de bode dentro das lojas. Não sei conviver com isso. Passei o dia vestida feito uma cebola, mas se há coisa chata no mundo é ser uma cebola descascada, carregando as cascas no braço; assim, decidi não entrar nas lojas, pelo que muito agradece a minha combalida conta bancária.

Andei um bocado, fiz dezenas, talvez centenas de fotos (no ínterim os créditos do SIM finlandês acabaram) e, para me penitenciar dos péssimos hábitos alimentares, resolvi voltar a pé pro Hotel no Fim do Mundo.

Abotoei o mantô, enrolei a écharpe na cabeça, enfiei as mãos nos bolsos e, determinada e resolutamente, enfrentei a noite gélida de Helsinki. Não é que vim direitinho, sem me perder? Não sou muito boa nesses cálculos, mas, tomando a Lagoa por base, com seus sete quilômetros, imagino ter andado uns quatro ou cinco só nessa volta.

Observação bizarra do dia: como tem coroa de porre por aqui! Eu parava para tirar uma foto ou ver uma vitrine com mais atenção, e pronto, lá vinha um deles.

A Europa de fato tem esta coisa maravilhosa de homens de 50, 60 anos passarem cantadas nas senhoras da sua geração, mas aqui a cantada é SEMPRE a mesma, e SEMPRE dita com a mesma entonação engrolada: "Vamos beber uma coisinha?"

Em suma: o que é uma alegria e um bálsamo para o ego na França ou na Itália aqui é, literalmente, um porre.

E agora toca a fazer mala, que amanhã é dia.

Boa noite para todos!

(Se eu tiver paciência para mexer com as fotos, logo mais subo algumas feitas com a FZ20)

Ah, sim: não contei da bicicleta, ontem. Bem que tentei dar umas voltas, mas é impossível. Sem capa faz frio demais, com capa as abas ficam entangalhando na roda de trás; o nariz congela com o vento.

E, no entanto, TODOS os finlandeses com quem conversei dizem que está um tempo ótimo e muito agradável, e fazem questão absoluta de dizer que nevou na Lapônia esta semana -- só pra gente saber o que é frio de verdade.

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