16.10.06

Nokia: visita à nave-mãe

O que as pessoas esperam dos celulares?
Como torná-los ainda mais versáteis do que já são, mais fáceis de usar e mais cobiçados?
O desafio continua...



Mesmo num país pontilhado pelo trabalho de grandes arquitetos, o prédio projetado por Helin & Siitonen chama a atenção. Uma espetacular estrutura de aço e vidro, visualmente leve e harmoniosa do lado de fora, e supreendentemente agradável e aconchegante do lado de dentro, onde se destacam as madeiras claras e formas limpas do design finlandês. Um dos poucos lugares, na verdade, em que a vossa escriba, de alma irreversivelmente tropical, chega a pensar: "Nossa, como isso deve ficar lindo num dia de inverno!"

Quando se olha para o alto, do hall de entrada, a Nokia House, como é conhecida a sede mundial da empresa, tem um quê de nave-mãe. Faz sentido. Afinal, de lá saíram, nos últimos anos, algumas tecnologias que mudaram a forma como o mundo se comunica: o desenvolvimento e a padronização do GSM, dos sistemas SMS, do padrão DVB-H de televisão móvel.

O Nokia Research Center, centro de pesquisas da Nokia, que completou 20 anos no último dia 3, hoje emprega 1100 pesquisadores divididos por outras cinco "naves" localizadas no Japão, na China, na Alemanha, na Hungria e nos Estados Unidos.

Bob Iannucci, vice-presidente da Nokia e diretor do NRC, tem, claro, perfeita consciência do papel que tantas coisas lá inventadas desempenham no nosso dia-a-dia; mas não ocuparia o cargo que ocupa se não soubesse que esta é uma área na qual ninguém pode descansar sobre os louros conquistados.

O desafio é permanente. Hoje ainda estamos deslumbrados com celulares como o N95, com câmera de 5 megapixels, rádio, wi-fi e mais memória do que muito computador -- mas o que fará nossa cabeça amanhã? Que rumos tomarão nossos sonhos de consumo? E, igualmente importante, como trazer para o universo do consumo gente que está às margens da sociedade?

Descobrindo o olhar do usuário: o nome do jogo é "gente"

Para Jan Chipchase, um simpático inglês radicado em Tóquio que, aparentemente, passa mais tempo voando do que em terra firme, este é o trabalho de uma vida. Ele é o chefe da pesquisa de usuários, ou seja, cabe a ele e a seu time de 60 especialistas observar como as pessoas se relacionam com celulares, descobrir como adequá-los às suas necessidades e desenvolver novos aplicativos, serviços e produtos que, se tudo der certo, estaremos usando entre três e 15 anos.

A latitude de tempo se explica: enquanto algumas soluções são fáceis de implementar, outras precisam, eventualmente, até da criação de novos materiais.

No momento, Jan está às voltas com o fato de que, dos 6,5 bilhões de habitantes do mundo, 799 milhões são analfabetos; além disso, mesmo entre os alfabetizados, há muitos, mas muitos mesmo, que usam aparelhos que não "falam" a sua língua. E aí?

-- Aí temos que descobrir até que ponto a incapacidade de entender textos escritos afeta a competência do uso de aparelhos, -- observa. -- O texto escrito não é a única forma de conhecimento das pessoas, que aprendem também através do que vêem, de como os objetos se portam, de como são percebidos pelo tato ou pela audição.

O sistema de pesquisa do time de Jan Chipchase é um estudo de sociologia em si mesmo. Tipicamente, alguém vai a uma região e sai conversando com as pessoas, intérprete a tiracolo. Casas são visitadas, o conteúdo de bolsos e bolsas é conferido minuciosamente.

-- Normalmente não encontramos problemas, -- diz Jan. -- Tudo depende de como se abordam as pessoas. Cada uma tem uma história para contar, e todas gostam que se preste atenção à sua história.

Estudando os hábitos de mobilidade de diferentes culturas, Jan descobriu três coisas sem as quais ninguém sai de casa: chaves, dinheiro, celular. É possível reduzir isso? Nos países tecnologicamente avançados, o celular já assumiu algumas funções do dinheiro e dos cartões de crédito. Estuda-se agora como incorporar aos aparelhos aquelas pecinhas magnéticas que funcionam em crachás e certas chaves de hotel.

O mais interessante nessa visão do mundo a partir do celular é perceber o quanto o aparelho representa para seus usuários. Em favelas indianas, o time de Jan descobriu inúmeros barracos e casebres que, à falta de nome de rua e número, trazem pintado na porta o número do celular do morador.

Na África, celulares funcionam como telefones públicos nas mãos de indivíduos empreendedores, que descolam um dinheirinho para um pós-pago, fazem uma cabine de caixotes, espetam uma antena na ponta de uma vara de pesca e cobram dos vizinhos menos do que eles gastariam em pré-pagos.

Outros juntam-se em cooperativas para comprar pós-pagos, dividindo custos e minutos. Isso não diminui o apelo dos celulares como símbolos de status: mesmo nas sociedades mais pobres, muita gente compra o celular mais vistoso que seu orçamento permite -- ainda que continue a usar o orelhão da esquina.

Na outra ponta do arco da sociedade não é muito diferente. A verdade é que os telefones, que passam mais tempo na companhia de seus proprietários do que quaisquer outros objetos, acabam se tornando uma extensão da personalidade de quem os usa. Aí estão os modelitos fashion para provar este postulado, os aparelhos de tiragens exclusivas, as jóias que falam da linha Vertu -- coisas lindas que podem custar milhares de dólares, mas que apenas falam, nada mais.

Pudera. Caixas de aço inoxidável ou metais nobres atrapalham barbaramente o desempenho das antenas. Num telefone como o E70, por exemplo, novíssimo smartphone que tem até wi-fi, co-existem nada menos de sete rádios e 11 antenas, que suportam WCDMA, GSM, Bluetooth...

Aliás, a novidade da semana foi o anúncio do Wibree, um Bluetooth turbinado, mais rápido e menos ávido por energia. Breve, num telefone perto de você.


(O Globo, Info etc., 16.10.2006)

Nenhum comentário: