O Incrível Caso dos Salteadores de Estrada II
Desculpem a interrupção; tive que telefonar mais uma vez para a Varig para reconfirmar as reservas.Bom, lá estavam, então, as nossas brasileiras mal paradas em plena Eslováquia (e não Eslovênia; mas esta vossa escriba é mesmo uma anta topo-geográfica!).
Depois de um diálogo de surdos travado em gestos e consoantes, apareceu um terceiro guarda, que produziu um papelucho xexelento e meio rasgado, onde se lia, em várias línguas identificáveis, que para circular pelas estradas locais era necessário um sticker colado no parabrisa.
Este terceiro guarda era um poliglota.
-- You no sticker. Sticker good one year. No sticker ten sticker fine.
Ah: o sticker vale por um ano. Sem sticker, multa equivalente a dez stickers. Segundo a autoridade, o sticker custava uma quantia de coroas que, convertida, correspondia a quase 29 euros.
O poliglota era muito solícito. Desenhou um quadradinho num papel seboso e apontou com o lápis:
-- Sticker! Trsjvzci?
Sim, sim, isso havíamos entendido.
Ele riscou o quadradinho.
-- No sticker. Trsjvzci? 286 euro.
-- O QUÊ???????????????????????!!!!!!!!!!!!!
-- No sticker, 286 euro.
-- But I don't have that money, no tiengo plata, pas d'argent, trsjvzci?
-- Sorry, no sticker, 286 euro.
-- Do you accept credit cards? Visa, Mastercard, Diners?
-- Euros.
-- Hungarian forints?
-- No. Euros.
Nesse instante, a Bia, que vinha acompanhando o diálogo com o respeito devido às autoridades de um país sério, chegou à correta decisão de que aquele não era assunto para amadores.
-- Mãe! Você está maluca?! Deixa eu cuidar disso.
Ato contínuo, fez cara de quem ia desatar em prantos e assumiu a liderança das negociações.
-- We Brazil. No money.
Tomou o lápis do guarda e o papel seboso, escreveu NO MONEY e desenhou uma carinha triste.
-- We can wash your dishes for a week, but we have no money.
Eu estava com uma pequena fortuna em dinheiro húngaro, que saquei sem querer de uma ATM: sou tão ruim com conversão de moedas quanto com mapas. Além disso, tinha 5 euros, 20 coroas tchecas e uns 120 reais.
A Bia tirou um real horrível, todo amassado, de dentro da bolsa.
-- See? Brazilian money. No euro.
Os guardas se entreolharam, riscaram os 289 euros que tinham escrito no papel e escreveram 120.
-- 120 euro. We like Brazil good!
-- Brazil good sim, -- disse a Bia -- mas money que é bom nós num have. Ronaldinho...
Os guardas riram. Isso eles trsjvzci.
-- Pelé!
-- Pelé! -- exclamou a Bia, como se tivesse ouvido o Terceiro Segredo de Fátima.
Um dos guardas riscou os 120 euros e escreveu 80. A Bia riscou, escreveu 40 e fez um gesto tipo "fechamos em quarentinha e não se fala mais nisso".
-- Roberto Carlos!
Eu não duvidava mais de nada, mas mesmo assim não me contive:
-- Bia, esses caras nunca ouviram Roberto Carlos.
-- É outro Roberto Carlos, mãe...
Isso com uma lágrima cínicamente escorrendo pelo rosto, junto com um sorriso cândido e ingênuo para os guardas. Que, imaginem só, toparam a parada.
A Bia entregou uma das notas de 50 euros que tinha na bolsa.
-- Thank you, -- disse o guarda.
-- Thank you nada, mané, falta o troco. Ten euro me...
-- Trstzcvjic prstzcjv sprztjc euro -- disse um dos guardas para o outro, que tirou a carteira do bolso e, conforme o combinado, deu o troco.
Nossos passaportes nos foram devolvidos, junto com a nota de um real.
-- No, no, you keep this! -- disse a Bia. -- Brazilian money. My gift to you. For good luck. Ronaldinho Gaúcho, Cacá, Robinho!
-- Pelé! Roberto Carlos!
Os guardas nos levaram até o carro, a cordialidade em pessoa.
O poliglota nos recomendou vivamente que comprassemos o sticker tcheco, porque os tchecos, explicou, são conhecidos ladrões, e sem o sticker teríamos um big problem pela frente, trsjvzci?
-- Trsjvzci! -- exclamou a Bia que, pelo sim pelo não, comprou logo ali adiante um adesivo de cinco euros que jamais nos foi pedido.
Tenho até medo de perguntar qual foi a praga que ela rogou naquela nota de real que deixou com os guardas; e nem ouso imaginar o que nos teria acontecido se eles soubessem que eu estava sem a carteira de motorista.
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