8.3.11

Bons livros bons



Lisboa -- Dizem que o sonho secreto de todo banqueiro é mandar os negócios às favas e abrir uma livraria na Rive Gauche. Se isso é verdade, o português Paulo Teixeira Pinto, de 50 anos, foi além. Ex-presidente do maior banco privado de Portugal, o BCP, ele trocou o mundo corporativo por uma linda coleção de livrarias e fundou um grupo editorial inteiro, Babel, que reúne nove diferentes selos. Escrevi “grupo”? Perdão. A palavra certa é unidade; porque, embora se componha de diferentes partes, a filosofia e o modus operandi da editora são os mesmos para cada uma de suas marcas, cada um dos seus livros.

-- O todo é maior do que a soma das partes, -- explica o editor, que começou a nova vida há dois anos, ao salvar da falência a tradicionalíssima Guimarães, fundada em 1899. A ela juntaram-se aos poucos outras antigas editoras em apuros (Ática, Ulisseia, Arcádia, Verbo), três chancelas com referências culturais marcantes (K4, Centauro e Athena) e uma novinha em folha, a Pi, feita especialmente para crianças e jovens. Somando, pois, o acervo das partes, a Babel tem cerca de 4,5 mil títulos -- mas, paradoxalmente, não publica nada em Portugal sob o seu próprio selo, já que o que lhe dá vida, aqui, são os nove segmentos que a compõem.

É no Brasil que a Babel se apresentará única e exclusivamente por si mesma, já que Paulo Teixeira Pinto não acredita em cut & paste na vida real:

-- Cada problema tem uma solução diferente, cada oportunidade tem uma fisionomia distinta, -- observa ele, que mergulhou a tal ponto na nova profissão que é, hoje, presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros. -- A Guimarães é uma coisa, a Verbo é outra. Mas essas são marcas ligadas à vida portuguesa. No Brasil começamos do zero, e não faria sentido criar, do zero, uma editora com divisões. Costumo dizer que a Babel é uma editora de língua portuguesa, mas não uma editora portuguesa. A Babel não será, no Brasil, a filial de uma editora portuguesa, mas uma editora brasileira, com personalidade própria.

* * *

A festa de debutante já tem data marcada. Acontece no próximo dia 14, no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, com a apresentação de uma das especialidades da casa: a edição clonada de um clássico. “Edição clonada” é aquilo que, antigamente, se chamava edição facsimilar. O novo nome se fez necessário porque chega a ser covardia comparar os velhos facsímiles com os clones que a tecnologia de impressão permite produzir hoje: pude ver lado a lado a edição da Babel de “Mensagem”, de Fernando Pessoa, com o original que está na Biblioteca Nacional em Lisboa, e a semelhança entre os dois livrinhos dá um arrepio na espinha.

-- Não há porque fazer menos do que isso, -- diz Paulo Teixeira Pinto. -- Se há quem consiga produzir dinheiro falso  em oficinas clandestinas, por que não podemos reproduzir um livro com a mesma fidelidade?

Ele obviamente ama os livros também como objetos, e faz questão que todos os títulos publicados pela Babel tenham sempre a melhor qualidade possível: “Fazer bons livros que sejam livros bons” é um dos seus lemas. Sabe que tão cedo ela não será a maior editora brasileira, mas vai fazer todo o possível para que seja a melhor.

-- O que nasce grande acaba monstruoso, -- observa. -- Não podemos começar pelo fim; precisamos ter um crescimento sustentável.

A previsão é que, em velocidade de cruzeiro, a Babel, que publicou no ano passado mais de 300 títulos em Portugal (entre eles alguns dos brasileiros Ferreira Gullar e Eucanaã Ferraz), publique cerca de cem títulos no Brasil. Mas não quaisquer cem títulos: ela pretende tornar-se referência cultural, a editora pela qual os melhores autores queiram ser publicados.

* * *

Para chegar a esse ponto, conta com a curadoria editorial de Luiz Ruffato -- o premiado autor de “Eles eram muitos cavalos” e “Estive em Lisboa e lembrei de você” -- secundado por um vasto Conselho Editorial que, a exemplo do que acontece em Portugal, reunirá cabeças pensantes dos mais variados matizes e áreas de atividade, de Alberto Costa e Silva e Antonio Cicero, por exemplo, muito bem conhecidos na área literária, a Roberta Medina, do Rock in Rio.

-- A idéia de uma curadoria editorial, "cargo" inédito no mercado brasileiro, é de servir como uma espécie de literary scout para a Babel, -- explica Ruffato. -- A minha proposta para a editora é a de publicar não livros, mas autores, apostando em nomes inéditos e outros que, embora já lançados, não estejam ligados a nenhuma casa editorial, para formar um catálogo nacional, com ênfase na qualidade. É um trabalho de médio a longo prazo, buscando uma consolidação progressiva e segura, que irá tornar a Babel uma editora de referência no mercado brasileiro, tanto na área de ficção e poesia quanto na de não-ficção.

Ruffato concorda plenamente com as diretrizes de qualidade estabelecidas em Lisboa:

-- Os livros vão primar pelo apuro gráfico e rigor editorial, com a certeza de agradar tanto a um leitor especializado quanto ao leitor comum.

* * *

O clássico clonado com que a Babel mostrará sua qualidade de produto ao Brasil é “Espumas flutuantes”, de Castro Alves. Diferentemente de “Mensagem”, que reproduz o original datilografado e corrigido à mão por Fernando Pessoa, este é reprodução de um exemplar da primeira edição, de 1870, conservado pela Biblioteca Nacional de Portugal.

Quem me mostrou o livro foi o brasilianista Jorge Couto, diretor-geral da BNP, membro do Conselho Editorial da Babel portuguesa que dará expediente duplo participando também do Conselho da Babel brasileira. Graças a ele, aliás, e à subdiretora Maria Inês Cordeiro, pude ver uma coisa ainda mais rara: uma biblioteca de 700 mil volumes toda encaixotada.

Explico. A BNP está em obras. Foi duplicada, e no prédio velho praticamente tudo o que não era estante foi substituído. Alguns andares ainda estão sendo esvaziados, outros já estão sendo novamente preenchidos, mas para onde se olhe há caixotes de papelão cheios de livros, meticulosamente empacotados e etiquetados. Nunca vi nada igual e, provavelmente, nunca mais vou ver. Não é todo dia que uma biblioteca dessas dimensões toma banho e troca de roupa.

* * *

A Babel, que chega ao Brasil com um investimento inicial de  R$ 6 milhões, terá sede em São Paulo e será dirigida pelos executivos portugueses Rui Gomes Araújo e Nuno Barros. Rui apressa-se a esclarecer que a presença lusitana não vai determinar os rumos da nova editora:

-- Vamos publicar autores brasileiros para leitores brasileiros, -- afirma. Ao mesmo tempo, esclarece que, apesar da produção de livros de arte e do capricho das edições, a Babel não será uma editora voltada exclusivamente para a Classe A. Está nos seus planos a distribuição em bancas de jornais e a criação de uma coleção de bolso.

Enquanto isso, em Lisboa, Paulo Teixeira Pinto começa a preparar a Babel para um salto virtual, com planos para multimidia e uma forma inédita de distribuição de ebooks, através de quiosques instalados em livrarias. Neles o leitor poderá interagir com a editora, folhear as edições eletrônicas e baixá-las em pendrives.  Nos bastidores, a Babel costura uma parceria com o estúdio Boom, de Pedro Abrunhosa, para produção de conteúdo.

Pergunto a Paulo Teixeira Pinto como fica o seu amor pelos livros primorosamente editados diante do avanço dos ebooks:

-- Mais importante do que qualquer coisa é a combinação das palavras, é o que elas dizem -- observa ele, com bom humor. -- Todos os meios são fundamentais. Há muitos generos de livros que só têm a ganhar em formato digital, como os livros técnicos, os de pesquisa, os manuais... De qualquer forma, as notícias que dão conta da morte do livro são ligeiramente exageradas. O livro de arte, por exemplo, é um que não vai acabar nunca, porque não é apenas um instrumento que reflete sobre arte, é arte em si mesmo.

* * *

Aqui em Portugal, a Babel é mais do que uma editora: é uma experiência que vai além dos livros, a começar pela sede, que acaba de ganhar duas páginas na “Attitude”, prestigiosa revista de design. Faz sentido: cada detalhe do espaço que ocupa no sexto andar de um prédio no centro da cidade foi meticulosamente pensado, unindo o útil ao inesperado. Carretéis de fiação e caixotes de madeira se transformam em elegantes (e práticas) mesas, arruelas viram puxadores, calhas de instalação de conduite fazem as vezes de luminárias, num reflexo claro da personalidade de Paulo Teixeira Pinto, que acredita que, como as pessoas, também os objetos têm uma “pluralidade de talentos”.

Ele mesmo é o principal exemplo disso. Nossa entrevista aconteceu, por acaso, não no seu escritório na editora, mas no atelier que mantém em Alfama, onde se dedica com paixão (e belos resultados) às artes plásticas; na maioria das peças, os reflexos do amor que beira a obsessão pela matemática e pelos mistérios dos números, presente também na sua (boa) poesia e recorrente na conversa. Mais tarde fiquei sabendo por uma amiga comum que ele é, também, um ótimo baterista.

É de se perguntar o que um homem desses estava fazendo num banco; mas, como nada acontece por acaso, pode ser que a resposta esteja, justamente, nos resultados que vemos hoje -- ele estava ganhando dinheiro para criar uma editora cheia de charme, personalidade e idéias interessantes.


(O Globo, Segundo Caderno, 8.3.2011)

2 comentários:

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