2.3.10
Rede: a pensata da pensata
Me pediram uma pensata sobre tecnologia. Pensata, vocês sabem, é... uma pensata. Uma divagação sem tema fixo, em que a gente deixa as idéias correrem ao léu, extamente como estou fazendo agora. Mas como escrever alguma coisa diferente sobre tecnologia? Como encontrar alguma coisa que ainda não tenha sido dita?! Missão impossível: já se disse tudo e mais alguma coisa sobre este tsunami de inventos que, bem ou mal, mudou radicalmente a vida sobre a Terra.
Às vezes – poucas! – tenho uns ataques de nostalgia e me pergunto se a mudança valeu mesmo a pena. O mundo pré-globalização tinha um tempo mais humano e era infinitamente mais variado: em cada aldeia as pessoas tinham o seu jeito de falar, de vestir, de comer. Cada cidade tinha o seu comércio, as suas lojas famosas, a sua produção; no nosso mundo de shoppings, tudo é igual, das lanchonetes às lojas de roupa. No planeta inteiro as pessoas se vestem da mesma maneira, ou quase da mesma maneira.
As patricinhas do Nepal usam bolsa Vuitton e camiseta da Gap, e em todos os prédios de Katmandu há propagandas abomináveis da Pepsi. Constrangido com a concorrência, o Abominável Homem das Neves mudou-se para o Butão.
Por outro lado, tudo era muito mais distante e, vá lá, mais tedioso. Aldeiazinhas remotas que não têm luz elétrica e que conservam intactos todos os seus hábitos seculares não têm graça nem em filme do Kurosawa; não é justo que, para divertir meia dúzia de turistas, crianças sejam condenadas a um futuro limitado e sem alternativas. E aí, pronto: penso nisso e a nostalgia passa. Se o preço a pagar pela educação e pela internet para todos for um MacDonalds em cada esquina, que seja.
Depois pensei numa outra espécie de nostalgia:
-- Como é que nós conseguíamos viver antes da internet?!
Já perdi a conta do número de vezes em que ouvi ou formulei essa pergunta. E, embora tendo nascido bem antes dos anos 80, quando ela começou a se difundir, esqueci tudo. Recompor o mundo não-conectado é um exercício de imaginação praticamente impossível, que sempre deixa alguma coisa de fora.
Como encontravamos telefones e endereços? Como sabíamos quais filmes estavam em cartaz? Como descobríamos os horários dos vôo, a temperatura em Lisboa, o valor da rúpia? Onde estavam informações como a data de estréia de Casablanca, a idade da Brigitte Bardot, os recordes dos 50 metros de nado de peito? A quem recorríamos para saber como se tiram manchas? Como conseguíamos esperar meses por uma carta? Como dependíamos apenas dos discos que estavam nas lojas? Como fazíamos quando precisávamos da letra de uma música ou do trecho de um filme? Como elaborávamos o trajeto de casa para uma rua que não conhecíamos?
A essa altura, catálogo telefônico é arqueologia urbana. E bem que essas dúvidas podiam virar um joguinho:
-- Como é que se fazia para...?
(O Globo, Revista Digital, 1.3.2010)
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