Eu poderia começar dizendo que “Antas, unidas, jamais serão vencidas!”, mas, ainda que bonito, isso seria mentira; a verdade verdadeira é que “Antas, unidas ou separadas, serão sempre tapeadas”. Eu também já poderia esquecer esse assunto, mas várias antas continuam saindo do cofre e mandando emails, seja a respeito das suas trágicas experiências, seja alertando contra outras arapucas tão perigosas quanto os títulos de capitalização.
Um leitor observador perguntou por que só publiquei mensagens de mulheres na crônica da semana passada: seriam as mulheres mais suscetíveis a arapucas financeiras? Homem algum teria comprado título de capitalização, ou homem algum teria reconhecido que comprou? Nem uma coisa nem outra. Vários homens se manifestaram, mas escolhi os emails publicados pelo tom, e elas se mostraram mais identificadas comigo, o que é compreensível.
Ainda assim, partindo unicamente de observação pessoal, eu diria que nós, mulheres, somos, sim, mais desligadas em relação ao gerenciamento do dinheiro “grande”; pais, maridos e namorados tendem a assumir o comando financeiro da casa, e nós achamos essa situação muito confortável. Até porque é mesmo.
Há exceções aos montes, óbvio, e cresci ao lado de uma delas. Na nossa família, para bem estar de todos e felicidade geral do coletivo, acontecia o oposto. Mamãe, fera em matemática e equipada com um desconfiometro da melhor qualidade, sempre cuidou do lado prático da vida. Se dependessemos do talento administrativo do meu Pai, tadinho, estaríamos perdidas. Mas mesmo Mamãe, que percebe diferença de centavos no extrato do banco, tem título de capitalização:
-- Claro que tenho -- disse ela, e explicou: -- É pouca coisa, e fiz para agradar à gerente, que é extremamente gentil comigo. Considero uma espécie de taxa bancária.
Lógico que, ao contrário da filha, Mamãe não caiu no conto do vigário; ela sabia direitinho que aquilo não vale nada. O que me leva a crer que as mulheres não são mais suscetíveis a arapucas financeiras do que os homens, mas são, sim, mais suscetíveis às angústias e aos apelos dos outros -- mesmo que esses outros sejam gerentes de banco.
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“Essa mensagem, eu sei, é extemporânea, pois creio que o assunto dos títulos de capitalização já deu frutos e deve ter-se encerrado, o que é bom, até mesmo para a nossa auto-estima”, -- escreveu o Luis Carlos, lá de São Paulo. “Só não escrevi antes por vergonha de admitir que eu, advogado experiente, defensor aguerrido do patrimônio de meus clientes, tenha também sucumbido à conversa mole de um gerente, que condicionou a aprovação de um pedido de aumento de cheque especial à compra de um título de capitalização. Não era mesmo o caso de me envergonhar? Havia, é certo, a possibilidade de eu ser contemplado em um sorteio, mas não comprei aquele título pensando nessa premiação de remota chance de concretização. Se eu tivesse apostado o dinheiro na Mega-Sena, minhas chances teriam sido bem maiores e, pelo menos, mais emocionantes. Além disso, apostasse eu aquele valor na loteria ou no bicho, poderia contar aos meus amigos do meu perfil agressivo e ousado no trato com o dinheiro. Mas jamais poderei pedir conforto ao meu melhor amigo pelo fato de ter sido ludibriado pelo "conto do título de capitalização". Quem sabe podemos abrir uma comunidade no Orkut: Eu comprei um título de capitalização!”* * *
-- Você agora é comunista? -- espantou-se um amigo, que nunca me ouviu falar dessas coisas, quem dirá escrever. -- Começou uma jihad contra o sistema bancário? Quer acabar com os títulos de capitalização?!Imagina. Comunista deixei de ser, se é que fui, quando a Primavera de Praga foi atropelada pelos tanques soviéticos, e eu já tinha bem uns 15 anos. Quanto ao sistema bancário, não conseguiria sobreviver sem ele e sem os empréstimos dos quais depende, habitualmente, o equilíbrio das minhas contas (estou dizendo, ninguém se auto-intitula anta sem motivo justificado).
Além disso, sou a favor da liberação total das drogas. Se alguém quiser consumir título de capitalização e for maior de idade, que vá em frente. É importantíssimo, no entanto, que o governo fiscalize o seu fornecimento, e obrigue quem os vende a não enganar o consumidor.
Empurrar anfetas para velhinhas que precisam de sossega-leão não é apenas crueldade, é crime.
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Amiga querida que muito rala na vida artística me mandou três tuites seguidos:“Aconteceu uma situação no banco agora que me fez lembrar de você. Pedi uma sugestão de onde aplicar dez mil reais. Adivinha?! O gerente me sugeriu capitalizações, não para rendimento mas para concorrer a um milhão! Meu marido tá passado, quer ir na agência. Só lembrei de você. Maior cara de pau que já vi na vida. E OI? Não eram 60 reais, mas dez mil! É muita cara de pau. Aff. Bjokas.”
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Como dizem nas séries de tribunal inglesas, I rest my case. Só acrescento uma coisinha rápida, porque advogados do diabo sempre poderão argumentar que uma anta financeira confessa não é boa conselheira, e argumentarão certo. Mas na segunda passada, aqui mesmo neste jornal, o Roberto Zentgraf, que assina a coluna “Dinheiro em caixa” e é coordenador dos MBAs do Ibmec Rio (tá bom?), concordou em gênero, número e grau com a minha opinião a respeito dos títulos. Ele trouxe mais um bicho para o caixa, o mico, e mandou ver:“Fuja deles, queridíssimo leitor, sempre!”
Pronto. Palavra de especialista.
(O Globo, Segundo Caderno, 18.3.2010)
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