11.3.10

Antas S/A


Asdrúbal, em foto de Paulo Cordeiro



“Misery loves company”, diz um ditado inglês que cisca no pior da alma humana: significa que quem se dá mal sente-se menos pior quando percebe que não está sozinho na desgraça. Não me senti menos anta, ao longo da semana, por saber que outras pessoas caíram no conto dos títulos de capitalização, mas pelo menos me senti reconfortada, por fazer parte de uma manada. Nem nisso fui original. Por onde andei, a história se repetiu:

“Fico feliz em saber que uma pessoa tão inteligente quanto você também cai em golpes como esse”, escreveu a Carla, que me chamou de irmã em antice. “Cheguei a lamentar minha ausência de QI. Pensei também que era a única e isso estava acabando comigo. Estava muito infeliz. Mas, ao ler sua crônica, a luz se fez: até as pessoas mais bem informadas fazem besteira! Meu caso foi com o Itau. (....) Tenho dificuldades em poupar e pensei na alegria de juntar compulsoriamente, já que o desconto era automatico. Tinha planos de organizar um bonito aniversário para minha mãe, que fazia 80 anos. Qual não foi minha frustração ao saber que, depois de muito poupar, eu não poderia resgatar o total, ainda que sem juros! Que ódio! E a gerente ainda teve a cara de pau de dizer que o problema era meu, pois não havia lido o contrato. É claro que era meu, para eu deixar de ser anta.”

E a Mirian?

“Lendo seu artigo hoje tive duas sensações diferentes: a primeira de conforto, por ver denunciado este esquema vigarista que os bancos armam para os clientes, sensibilizados pelo pobre do funcionário que implora para que o aceitem, pois aparentemente seu emprego depende disso. A segunda sensação foi mesmo de raiva, por lembrar a minha experiência. Tão esperta, psicóloga, PhD, craque em aplicações, etc... e por pouco não estrangulei a gerente quando fui resgatar o tal título, com 20% de prejuízo. O pior foi ter que ouvir que este era o preço para poder concorrer aos sorteios! E para explicar para o meu marido? Se fosse ele que tivesse feito isso, eu provavelmente cairia em cima impiedosamente.”

E a dona Luzia?

“Aqui diante do computador, esta anta (muito idosa) pensa em lhe dizer alguma coisa mais do que "obrigada e "parabéns". Não consegue, mas fica em paz sabendo que você receberá milhares de recados de "antas" mais experientes. Meu caso é menos grave do que o seu porque fiz um único "título de capitalização" de 36 meses. Pensava eu: em vez de guardar em casa esses R$ 50, eles ficarão guardados no banco. Alertaram-me com toda "honestidade": "durante um ano não retire seu dinheiro porque haverá perda”. Hoje, depois de pagar 22 meses, precisei retirar o dinheiro. Pois bem, disseram-me que me pertencem apenas R$ 800 dos R$ 1.050 que apliquei!”

Com exceção da Cássia, que ganhou um sorteio, o teor dos emails e dos comentários era o mesmo: um gerente amigo, uma “poupança forçada”, um prejuízo garantido. Leitores que estão do outro lado do balcão, porém, me deixaram com muita pena dos funcionários, constrangidos pelos bancos a se portarem feito estelionatários:

“Você não foi uma anta”, escreveu um deles. “Você com certeza ajudou uma ou várias pessoas a não perderem o cargo ou até mesmo o emprego. Pode acreditar, a pressão que nós sofremos é absurda, e você teve uma atitude caridosa.”

* * *

E, lá no blog, o Marcelo tentou explicar a lógica da coisa:

“Títulos de capitalização existem há mais de um século. A ideia é você comprar um papel - o tal do título - que lhe dá o direito de resgatar, depois de um tempo, o valor que pagou. Em troca da compra, o banco a inclui em sorteios regulares de prêmios, que antigamente eram leitões, bezerros, prendas das mais variadas, e hoje são quantias em dinheiro. Isso é o produto, e suas regras incluem dois pontos importantes:

1) Se você quiser receber o valor pago antes do tempo contratado até pode, mas perderá parte do valor, como em qualquer contrato que decida encerrar.

2) Se ficar até o fim, o banco garante que o valor pago será devolvido, tendo você ganhado a prenda ou não.

Assim sendo, não faz sentido esperar de um título desses que seja como uma poupança (que em geral não inclui sorteios), como um jogo de loteria (que não devolve o dinheiro) ou como os fundos de investimentos e previdências (que têm o objetivo de ganho de capital no longo prazo). Você deve considerar o que quer fazer com o dinheiro, comparar os produtos e decidir, então, o que lhe parecer melhor. Mas não deve esperar de um produto características dos outros.

Se você quer apenas ganho de capital sem risco, escolha poupança e CDB. Se quer ganhos mais audaciosos, vá para fundos de investimentos e ações. Se quer garantir o futuro, vá para a previdência. E se quer alimentar o sonho semanal ou mensal de ganhar uma bolada, sem perder muito dinheiro, vá para a capitalização.”

Gostei da clareza, mas a própria palavra “capitalização”, que supõe ganho de capital, induz o cliente a erro. Títulos de capitalização, para mim, nunca mais. Até porque, se eles prestassem, os gerentes não seriam forçados a empurrá-los para os clientes.

* * *

Na foto de hoje, uma anta autêntica: é o Asdrúbal, resgatado no Mato Grosso, muito ferido, pelo veterinário Paulo Cordeiro. Acostumou-se com as crianças da casa, perdeu as listas quando cresceu e, enfim, foi solto de volta no seu habitat.

Não consta que tenha, jamais, feito título de capitalização.

(O Globo, Segundo Caderno, 11.3.2010)

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