1.1.09


VanOr dá o recado:
feliz ano novo!

E então, escaparam todos vivos e inteiros de 2008? Para mim, apesar de alguns pontos luminosos, que mesmo as piores safras os têm, o ano não deixou saudades, e a sensação predominante com que vos saúdo neste alvorecer de 2009 é de alívio. Ainda não sei o que pensar do novo ano, posto que escrevo da vaga distância da madrugada da última terça-feira, refugiada no sítio, onde os planos de brincar com os cachorros e com a câmera nova foram literalmente por água abaixo. Assim é que passei os dias no mais dolce far niente, conversando, comendo, lendo e, quando a conexão permitia, percorrendo blogs de estimação. Foi num deles, o da Vanessa Ornella, que topei com esse grande texto sobre o Natal. Que já passou, eu sei: porém o que a VanOr diz tão bem não vale só para o dia 25 de dezembro, mas para tudo na vida. Deixo-os, portanto, com a minha amiga querida, e faço meus os seus votos de um Feliz 2009.
“Eu sempre fui da escola que acredita que a emoção se transmite sem palavras; que as palavras são uma ferramenta importantíssima, mas emoção se passa pelo olhar, por uma contração labial incomum, o volume ou o tom da voz, o padrão respiratório, enfim, coisas que qualquer animal pode fazer, até nós. Eu sempre quis pensar que as palavras são apenas acessórios do sentir para não usurpar ainda mais dos animais seu direito às emoções, pois a humanidade se especializou em negar o sentimento dos bichos para justificar o tratamento brutal destinado à maioria deles. Mas não foi por esse motivo triste que eu toquei neste assunto. Quis falar da importância das palavras porque hoje é Natal, e as palavras são cruciais no Natal.

Minha avó todos os anos me explicava o que era Natal, Páscoa e todas essas coisas onde se reúnem família e comida com uma desculpa religiosa de fundo. Eu ouvia as palavras, mas só registrava o brilho no olhar, o sorriso, o gestual da felicidade plena, e era por isso mesmo que todos os anos eu sempre pedia para que as palavras fossem repetidas, porque, como todo bom cachorro, eu me condicionei a ver minha avó feliz naquele contexto, e como cão condicionado que sou, eu hoje amo o Natal acima de todas as coisas. Amo estar com minha família, mesmo quando estou frustrada por não ter conseguido terminar um décimo das coisas que queria fazer para pôr debaixo da árvore; amo ver a alegria dos meus pais preparando a casa e a ceia nos mínimos detalhes e com semanas de antecedência para algo que só dura um dia e meio. E as palavras nisso tudo? São tão voláteis quanto o refogado do recheio do peru, mas são lindas quando emolduram um sorriso ou um beijo de Feliz Natal.

Expliquei pra um amigo estrangeiro como é o Natal aqui, e ele, que sempre comemorou Natal num bar com os amigos mas ficou deslumbrado com a minha descrição (eu só falei a verdade), perguntou se poderia passar o Natal aqui no ano que vem. Porque há coisas que a gente precisa ver para crer.

* * *

O Ken, meu namorado, viu um navio de guerra em Copacabana dia desses. Ele falou pra mim assim (mas tudo em inglês, que ele ainda está engatinhando no português):

-- Eu vi um navio de guerra em Copacabana.

Eu, que estava distraída, achei que tinha ouvido algo errado e perguntei, só pra verificar:

-- Como?!? Uma espaçonave em Copacabana?

-- Não, tolinha. Um navio de guerra.

Pra quem não fala inglês, preciso explicar: espaçonave e navio de guerra, na língua do Ken, são palavras que tem o final com som parecido, assim como três e seis pra gente, então, quando ele falou, eu admito que realmente ouvi "navio de guerra" (warship), mas dentro daquele contexto (Copacabana), pra mim só fazia sentido nave espacial (spaceship).

-- Navio de guerra?!?

-- É, ué. Vocês não têm navio de guerra aqui no Brasil?

-- É, embora nós não tenhamos guerra, é beeeeem possível que tenhamos um navio de guerra ou alguns, mas o que um navio de guerra estaria fazendo em Copacabana?

E, de repente, em meio a conjecturas do Ken (a segurança do Sarkozy?), eu senti uma coisa estranha subir na minha garganta, e a estranhura foi crescendo, crescendo até desabrochar numa retumbante gargalhada. O Ken não entendia a graça e até me mostrou as fotos do navio de guerra, mas quando eu consegui me controlar, expliquei que não tinha nada contra navios de guerra, mas que as três palavras juntas -- navio, guerra, e Copacabana -- simplesmente não combinavam, estavam fora de contexto, e que, pelo menos pra mim, que conheço o Cervantes, a Prado Júnior e o Fausto Fawcett, continuava fazendo muito mais sentido a idéia de uma espaçonave.

Foi assim que só agora, burra véia de cabelo branco e tudo, que eu percebi uma coisa muito importante: a grande emoção do Natal é o contexto familiar. Tire a família desse contexto, e a idéia do Natal torna-se meio ridícula, meio enfeitada demais à toa, meio perua da Barra em terreirão do samba ou louraça paulista como madrinha de bateria da Mangueira: coisas cheias de significado, quando perdem o contexto, viram um navio de guerra esquisitão com canhões truculentos voltados para as bundas flácidas e pacíficas de Copacabana.

Só falei isso tudo pra dizer que faço votos sinceros de que, este ano, vocês passem o Natal junto de pessoas queridas, muito queridas, que se da família não forem, que sejam como família para vocês. Desejo que essa sensação boa de que a gente tem tudo, porque quem tem amor tem tudo, dure por todo o ano, e que 2009 seja um ano de pleno de coisas boas para todos nós.”


(O Globo, Segundo Caderno, 1.1.2009)

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